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11/07/2019 às 08h17min - Atualizada em 11/07/2019 às 08h17min

Silêncio em mim

IVONE GOMES DE ASSIS

O que será, então, o tempo? Pois, diariamente, vejo jovens dizendo que “seu tempo já se foi”, que “não há mais tempo para amar”. Do mesmo jeito, vejo velhos alegando que “seu tempo ainda não começou”, que “sua vez está por chegar”. Todos os dias vêm arrastando um ontem, tal qual todo amanhã será infinito e será passado, ao mesmo tempo.

Na certeza do “não existir”, ou na incerteza do eterno existir, é que me dou conta de que, muitas vezes, me perco no vazio do pensamento, que inunda meu tempo. Tempo, este, vazio de tantas coisas e cheio de tantos silêncios.

O tempo é apenas para situar a cada um, seja para documentar a história, seja para entender o espelho, com todas as confusões que ele apronta aos olhos cansados de tanto assistir o ir e vir da humanidade. Contudo, conforme escreveu Clarice Lispector há meio século: “[...] Redondo sem início e sem fim, eu sou o ponto antes do zero e do ponto final. Do zero ao infinito vou caminhando sem parar. Mas ao mesmo tempo tudo é tão fugaz. Eu sempre fui e imediatamente não era mais. O dia corre lá fora à toa e há abismos de silêncio em mim. A sombra de minha alma é o corpo [...]. Nunca a vida foi tão atual como hoje: por um triz é o futuro. Tempo para mim significa a desagregação da matéria. O apodrecimento do que é orgânico como se o tempo tivesse como um verme dentro de um fruto e fosse roubando a este fruto toda a sua polpa. O tempo não existe. O que chamamos de tempo é o movimento de evolução das coisas, mas o tempo em si não existe. Ou existe imutável e nele nos transladamos. O tempo passa depressa demais e a vida é tão curta. Então – para que eu não seja engolido pela voracidade das horas e pelas novidades que fazem o tempo passar depressa – eu cultivo um certo tédio [...]. Quero viver muitos minutos num só minuto. Quero me multiplicar para poder abranger até áreas desérticas que dão a ideia de imobilidade eterna. Na eternidade não existe o tempo. Noite e dia são contrários porque são o tempo e o tempo não se divide. De agora em diante o tempo vai ser sempre atual. Hoje é hoje. Espanto-me ao mesmo tempo desconfiado por tanto me ser dado. E amanhã eu vou ter de novo um hoje. Há algo de dor e pungência em viver o hoje. O paroxismo da mais fina e extrema nota de violino insistente. Mas há o hábito e o hábito anestesia. O aguilhão de abelha do dia florescente de hoje. Graças a Deus, tenho o que comer. O pão nosso de cada dia” (LISPECTOR (1975), 2015, p. 7).

Algumas pessoas, para não ficarem sós, compartilham seu afeto com algum tipo de animal. Desse modo, é comum vermos lares com animais de estimação. Penso que este foi o caso de Maurice, o galo de dona Corinne Fesseau, que, na semana passada, foi levado à Justiça, na França, acusado de cacarejar muito alto, tirando a ordem e a paz da vizinhança. A dona do emplumado, que vive há 35 anos na pequena vila portuária de Saint-Pierre-d'Oléron, uma comunidade de, aproximadamente, 7 mil habitantes, se defende, informando que o casal reclamante é visita sazonal daquele lugar, e que espera que as pessoas percebam a importância e o significado de ruralidade. Até mesmo o prefeito, segundo a CNN, caiu em defesa do galo Maurice, deixando evidente o valor de seu tempo.

A que ponto de intolerância chegamos? O mundo está cheio de pessoas estressadas e solitárias; pessoas que têm um milhão de “amigos” sociais e nenhum presencial; pessoas que dedicam horas de seu dia a seguir “amigos” com quem nunca conviveu, porém não tem um minuto sequer para ouvir o(a) irmão(ã). Como é bom dormir na roça e acordar com o canto do galo, o piar dos pintinhos, o muar do gado... Quão essencial é que se valorize a vida no campo! A geração contemporânea precisa saber que o ovo não sai da cartela, e sim, da galinha.

Com tantos absurdos, resta-me ser silêncio em mim.

*O conteúdo desta coluna é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.

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