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20/06/2019 às 12h40min - Atualizada em 20/06/2019 às 12h40min

Espaço rural

IVONE GOMES DE ASSIS
Hoje, na saga em busca de uma vaga para descansar o corpo, lembrei-me de uma frase que marca dois escritos literários, sendo um do saudoso Ferreira Gullar e outro do contemporâneo Bosco de Lima: “Não há vagas”, “Não há vagas”.

Ora, ora, em um grande centro comercial, isso é até bem compreensível, mas quando acontece em todos os locais, sobretudo no espaço rural, de dois um: ou há problema ou há muito sucesso. No nosso caso, era esta última alternativa. Em decorrência de alguns business na região em que nos encontrávamos, todos os lugares com foco em hospedagem se encontravam full, fosse cidade, fosse campo. Até que chegamos a uma aconchegante pousada, por nome Le Papillon d’Or, nos arredores de Arlon. Com muita competência, fomos acomodados. Aquele lugar, impecavelmente limpo e belo, exibe uma decoração ímpar. É um lugar com cheiro de poesia, é mágico. Que sujeito não gostaria de se hospedar por ali?!

Assim que adentramos aquele espaço, vieram-me à mente dois escritores. Primeiro, o eterno Manoel de Barros, que em 1999, escreveu: “Pantaneiro aprendeu com a natureza / Ele sabe que o ermo tem cantos / E que o silêncio tem cílios / Ele já foi arborizado pelos pássaros”.

Depois, foi a vez de Angela Marcia de Souza, autora de “Poética do espaço rural”. Nesta obra, o leitor tem um encontro direto com o homem do campo das pequenas propriedades rurais. São depoimentos de trabalhadores que extraem o seu sustento de suas pequenas “empresas do campo”. São segmentos que vão de produtos alimentícios, passando por artesanatos, até alcançar – dentre outros – a hospedagem. Dentre os diversos nichos e pontos de vistas, nota-se uma absoluta dificuldade na gestão dos negócios, em decorrência da escassez de capital.

Souza, ao questionar um entrevistado do segmento na região, ouviu-o dizer: “[...] meu intuito é voltar com essas produções pra chamar a atenção para o turismo que seria mais um atrativo [...]. Mas não temos o apoio das autoridades não, eles nem vem aqui”. (GA-11 in SOUZA, 2019, p. 20). Assim são mais de uma dúzia de depoimentos. Alguns relatos são de difícil interpretação, tamanha é a crueza da fala.

Enquanto governos ignoram os pequenos trabalhares, deixando-os na terceira margem do rio, o próprio trabalhador se explui do mundo da aprendizagem. Sem abrir o conhecimento é difícil dar sequência em qualquer que seja o assunto. O homem simplório, de um lado, não se sabe cobrar dos órgãos competentes, do outro, não investe em seu próprio saber, para dar vida aos negócios e mantê-lo. Não precisamos esperar o governo, para alargar nossa ciência filosófica. Entretanto, tendo-a em si, ninguém a tomará, e, sem dúvida, a cobrança será mais efetiva.

Desse modo, é possível dizer que, por mais que a ausência de capital financeiro seja um impeditivo, é a ausência de capital humano e intelectual que limita as ações. Outra vez, vem-me à mente os jardins floridos e o interior aconchegante daquelas casas, pousadas, restaurantes e outros, os quais atraem a clientela pela sua beleza, simplicidade e criatividade. Há que se admitir, manter um lugar daqueles, por menor que seja, dá trabalho, exige dedicação... Afinal, o que é fácil neste mundo mercadológico imediatista?

Como muito bem assinala Souza (2019, p. 46-47): “As políticas públicas se apresentam desorganizadas... [o pequeno empreendedor também]. [...] O turismo rural precisa ser alimentado por pesquisas científicas [...]. Para assim, o rural promover educação e consciência no meio local [...]”. 

A compreensão dos fatos assusta e desvia o pensamento. Não há que se fraquejar ante as dificuldades, mas, sim, buscar alternativas. A máquina humana não para. Ela é movida a sonhos, expectativas, criatividades, renovos, cansaço e buscas contínuas. É assim que o caótico se esvai.

É por meio da conscientização de todos que o turismo acontece. Investimento governamental e pessoal, ciência, consciência, dedicação, criatividade, tudo isso forma a poética do espaço rural.


*O conteúdo desta coluna é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.
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