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23/05/2019 às 14h51min - Atualizada em 23/05/2019 às 14h51min

Eleito por unanimidade

IVONE ASSIS
No mundo literário e cultural é comum adentrarmos em fase de dormência criativa, perdendo o controle de nós. Alguns vivem na lua, outros vivem na sombra. Há, ainda, aqueles que são verossimilhança. Não é ironia, é arte, mera poesia.

Se Cervantes fosse dar um parecer, possivelmente teríamos Dom Quixote para apontar-nos questões, críticas e observações. Mas, não. Hoje somos eu, você e a literatura cavalgando neste terreno fértil, onde pululam conscientes e inconscientes, no contínuo exercício de reescrever, a fim de que boas histórias inspirem o mundo, tornando-o melhor.

A clássica frase do quadrinista Marcelo D’Salete, ganhador do Prêmio Eisner, em 2018, “Não precisamos de heróis, precisamos de boas histórias”, muitas vezes nos inquieta. Parecem faltar boas histórias, e se existem, estamos carentes de bons contadores.

Mas, nesta semana, Chico Buarque veio nos garantir que ainda há boas histórias, sim, e escritas por brasileiros.

“Chico ousou muito, escreveu cruzando um abismo sobre um arame e chegou do outro lado. Não creio enganar-me dizendo que algo novo aconteceu no Brasil com este livro”, foi esta a frase que José Saramago utilizou para definir Chico Buarque, sobre a obra “Budapeste”. Livro este que o autor começa dizendo: “Devia ser proibido debochar de quem se aventura em língua estrangeira” (HOLLANDA, 2003, p. 5). Ora, quantos não se aventuram em outra linguagem? O mercado, cada vez mais, pede conhecimento e ousadia.

Saramago tinha razão não somente em relação a “Budapeste”, mas quanto ao conjunto de obras de seu autor, Chico. A ousadia de Chico o fez “extrair notas musicais” do arame que o levou do outro lado, e lá chegando, apagou o abismo que houve um dia, e se houve “Leite derramado”, o autor encheu o vasilhame de palavras, sejam escritas, cantadas, encenadas... não importa. Tais palavras renderam, merecidamente, ao escritor Chico Buarque de Hollanda o Prêmio Camões de Literatura, maior troféu literário da língua portuguesa, o qual o contemplará com 100 mil euros.

O corpo de jurados Camões 2019 foi composto por: Antonio Carlos Hohlfeldt e Antonio Cicero Correia Lima (Brasil); Clara Rowland e Manuel Frias Martins (Portugal); Nataniel Ngomane (Moçambique); Ana Paula Tavares (Angola) e, por unanimidade, escolheram o brasileiro Chico Buarque, para receber o prêmio Camões 2019.

Camões foi criado em 1988, voltado para autores de língua portuguesa. E a quantia pecuniária ofertada por ele é oriunda das contribuições dos dois Estados fundadores do prêmio: Portugal/Brasil. Desde a sua criação foram 30 “canecos”, sendo que 13 destes foram concedidos a autores brasileiros, 12 a portugueses e 6 a outros países lusos.

E, embora uma premiação desta magnitude seja algo cobiçado por muitos, quando foi a vez do angolano Luandino Vieira, que venceu o Camões 2006, este se recusou a receber a premiação, alegando não ser justo que ele fosse contemplado, haja vista que há 30 anos não escrevia. Para ele, tal premiação, se a ele concedida, implicaria uma injustiça com os colegas que não dão folga à caneta. Esse episódio de Luandino Vieira que trouxe-me à memória a frase de Mario Quintana “Um engano em bronze é um engano eterno”. Ele, que se recusava a receber homenagens.

De volta à criação multifacetada de Chico Buarque, esta que transita entre romance, poesia, teatro e, por que não, letras musicais, vale lembrar que sua obra é uma referência mundial de cultura, em nossa contemporaneidade e, por isso, foi aclamado vencedor, por unanimidade.

*Esta coluna é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.
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