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21/03/2019 às 09h31min - Atualizada em 21/03/2019 às 09h31min

Tempos líquidos

IVONE GOMES DE ASSIS
Ainda buscávamos entender a queda do Boeing 737 MAX 8, que se “dissolveu” na Etiópia, ceifando 157 vidas, dentre elas, a do primo de um amigo querido, quando, no exato instante em que eu escrevia a “Literato” da semana passada, narrando sobre a depressão... sobre as arestas que há nos convívios e a busca incessante pelo amanhã, a ponto de nos fazer esquecer do agora... e outras pontes que nos remetem ao egoísmo, à solidão e outros males, naquele exato momento, os jornais de plantão traziam a trágica notícia de um ataque terrorista em Suzano, no interior de São Paulo.

Foi como se explodisse uma bomba ao meu lado e restasse apenas o silêncio, as imagens e a incredulidade naquilo que os olhos viam. Como é possível tamanha insanidade?! Estamos vivendo o tempo líquido, em que a vida é produto de troca.

Sem fechar os olhos para o passado, podemos afirmar que entre o 11 de setembro de 2001 e o 13 de março de 2019, apesar das quase duas décadas, parece que não houve melhoria humana. O 11 de setembro marcou o mundo com o espanto pelo ataque terrorista que baniu da face da terra as duas torres gêmeas americanas, e as pessoas que lá estavam, por meio de uma barbaridade insana, em que a intolerância engoliu o homem. O 13 de março, igualmente, trouxe todos os monstros que habitam a estupidez humana, e crianças foram sugadas por esta explosão descomedida. Neste espaço de tempo, 18 anos foram nada para melhorar a raça humana.

De lá para cá foram milhões de agressões, de mortes... O terrorismo corre entre ataques diretos e indiretos, execução frente a frente e por meio da privação de ausência de comida, remédios... humanidade. Estamos, como escreveu Zygmunt Bauman, vivendo “Tempos líquidos”. Ele que, ao relembrar "Se você quer a paz, cuide da justiça", escreveu: “diferentemente do conhecimento, a sabedoria não envelhece”. “A ausência de justiça está bloqueando o caminho para a paz, tal como o fazia há dois milênios. Isso não mudou. O que mudou é que agora a ‘justiça’ é, diferentemente dos tempos antigos, uma questão planetária, medida e avaliada por comparações planetárias” (2007, p. 11).

A tecnologia avança a passos largos e, ao seu lado, em velocidade ainda maior, vem a ambição humana. Os assustadores benefícios da ciência ainda não atingiram o monstruoso e contraditório lado “humano”. O modismo do assassinato das mulheres, o modismo de agressões a familiares, o modismo de ataques terroristas... e assim segue a passarela da insanidade, espelhada pelo sangue das vítimas, sob os flashes da câmera de reportagem. O que se tem investido no capital humano?

Para Bauman (2007, p. 11), as razões de tanta desmedida são duas: Primeiro, as “autoestradas da informação” ligaram tudo a todos, a miséria humana, a corrupção e os estilos de vida longínquos são trazidos “para casa de modo tão nítido e pungente, vergonhoso ou humilhante como o sofrimento ou a prodigalidade ostensiva dos seres humanos próximos [...], durante seus passeios diários pelas ruas das cidades. As injustiças a partir das quais se formam os modelos de justiça não são mais limitadas à vizinhança imediata [...]” do que com o resto do mundo. Em segundo lugar, para ele, “num planeta aberto à livre circulação de capital e mercadorias, o que acontece em determinado lugar tem um peso sobre a forma como as pessoas de todos os outros lugares vivem, esperam ou supõem viver”. Nada está do "lado de fora". Assim, (2007, p. 23), “o novo foco sobre o crime e os perigos que ameaçam a segurança corporal dos indivíduos e de suas propriedades tem se mostrado, para além da dúvida razoável, intimamente relacionado ao ‘clima de precariedade’” de forma escancarada e incontrolável, portanto, abrindo caminhos para a desmesura humana.

O medo vem abocanhando as pessoas, dilacerando a existência humana, que, de tão preocupadas com o que está por vir, deixam de viver. Trancam-se em suas mentes. Fecham-se para a vida. O medo tem sido servido, em larga escala, nas refeições diárias.
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