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26/02/2019 às 10h09min - Atualizada em 26/02/2019 às 10h09min

O jogral de Santa Terezinha

ANTÔNIO PEREIRA
Anatole France, notável contista francês, relata-nos, em curta história, a singular homenagem que um frade, ex-saltimbanco, prestou a Nossa Senhora. Enquanto outros frades cultos, em sua veneração, compunham poemas, canções, faziam esculturas, pinturas, declamavam, representavam, ele só sabia mexer com malabarismos e acrobacias, vergonhoso de suas acanhadas habilidades e, por isso, às escondidas, quando todos se aplicavam em outras atividades, ele se esgueirava e ia oferecer suas honrarias à Santa jogando bolas de cobre e punhais para cima e aparando-os com as mãos e com os pés. Semelhante fato, se bem que não repetindo as intenções do frade, aconteceu na velha Uberlândia, quando se faziam os retoques finais da construção da Catedral de Santa Terezinha.

Por mais de vinte anos se planejou e se ajuntou verba para a construção da Matriz. Foi dom Eduardo Duarte Silva, bispo de Uberaba, quem pensou em construir aqui uma matriz para Santa Terezinha. O cônego Albino de Figueiredo Martins de Miranda (1926/1938) foi quem começou a trabalhar o seu erguimento. Logo que chegou, nomeou comissão para iniciar o levantamento de fundos para a obra. O presidente foi o dr. Armante Carneiro, um dos fundadores da Associação Comercial (1933). Em 1928, o cônego nomeou nova Comissão sob a presidência de Antônio Gomes da Costa, substituído em 1934 pelo dr. Cícero Macedo. O local escolhido foi a praça da República, próximo ao Fórum, ativo desde 1922. Era terreno de José Camilo Júnior, que o cedeu por 30 contos de réis. Lá, um dia, sob a liderança de Monsenhor Eduardo, a igreja ficou pronta. Isso, lá pelos princípios dos anos quarenta do século passado.

Havia na cidade um grande esportista, o João Marra dos Reis, goleiro por muitos anos do Uberlândia Esporte Clube e de outros times e campeão de ciclismo. Sobre as rodas das velhas “aranhas”, Marra, como era chamado, venceu muitas corridas pelo Triângulo Mineiro afora. Sua fama era tão respeitada e temida que, certa vez, em Uberaba, alguns adversários amedrontados espetaram alfinetes de cabeça nos seus pneus pouquinho antes da largada. No meio da prova, Marra foi obrigado a desistir, com os dois pneus vazios.

A Catedral já estava em pé recebendo acabamentos. No topo da torre havia uma placa redonda, de cimento, na qual instalaram uma roldana que alçava latas de reboco. Observando o subir e descer das latas, Marra teve a ideia maluca de andar de bicicleta lá em cima. Chamou seu colega de corridas, o Pororoca, e pediu-lhe que amarrasse a bicicleta na ponta da corda, onde estava a lata, e a puxasse para cima. Ele subiria pela escadaria interna. Eram umas cinco da tarde. Lá em cima, desamarrou a bicicleta, analisou-a rapidamente a ver se tudo estava bem, montou e começou a rodar sobre a placa de cimento. Conforme foi rodando, foi juntando gente. Daí a pouco, uma pequena multidão, tomava parte da praça da República (Tubal Vilela), assistindo de graça o espetáculo de um saltimbanco maluco a dar voltas de “aranha” em cima da torre.

O show só terminou porque a polícia apareceu por lá, acionada por Monsenhor Eduardo que, já cansado de rogar ao ciclista que descesse, temia por um final trágico para a brincadeira. Os gritos dos militares também não desestimularam o jogral de Santa Terezinha. Foi preciso que os homens da farda subissem e o trouxessem para baixo com bicicleta e tudo.

Fonte: João Marra
 
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