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06/12/2018 às 08h31min - Atualizada em 06/12/2018 às 08h31min

A intolerância que habita no homem

IVONE GOMES DE ASSIS
Na segunda fase do modernismo brasileiro a literatura brilhava com a estrela Carlos Drummond de Andrade, cuja produção literária, com seu novo estilo e forma de escrita, revisitou, dentre tantos assuntos, a política, a sociedade, e as relações humanas, trazendo o realismo para dentro da literatura.

Em 1928, Drummond escreveu: “No meio do caminho tinha uma pedra / tinha uma pedra no meio do caminho / tinha uma pedra / no meio do caminho tinha uma pedra [...]”. E foi duramente criticado pela desconexão de palavras, que, mais tarde, se mostrariam as mais alinhadas possíveis.

Isso me remeteu a um fatídico episódio ocorrido neste dia 04/12/2018, em que o ministro do STF, Ricardo Lewandowski, fazendo jus da intolerância que abocanha a humanidade, não suportou receber uma crítica, e se fez “pedra no meio do caminho” do advogado Cristiano Caiado, da OAB-DF, o qual, inversamente proporcional, não soube esperar o lugar adequado, nem tampouco separou o cidadão do ministro. E naquele voo comercial, de cidadãos comuns, com direito de expressão, fadados a erros, porque é isso que acontece quando colocamos nossa soberania e ego à frente do Ser, ambos se atracaram em palavras tolas, de desrazão humana.

A frase do estopim: "Ministro Lewandowski, o Supremo é uma vergonha, viu? Eu tenho vergonha de ser brasileiro quando eu vejo vocês". Explosão da granada: “Vem cá, você quer ser preso?”

Direito e liberdade?! Liberdade de expressão?! Democracia?! Ou intolerância e rudeza?! Soberba?! Ambos certos e errados, com direitos e deveres. Ambos, homens da lei e, talvez, desconhecedores da razão. A língua portuguesa deixou claro que, embora querendo representarem-se somente como sujeitos comuns, locutor e interlocutor fizeram uso de seus títulos e misturaram profissão e cidadania.

Como disse o poeta, esses dois senhores, do impasse proferido, assim como qualquer ser mortal, nasceram “um anjo torto [...]”, cada qual com suas facetas, sentimentos e absurdos. Afinal, quem nunca teve um dia ruim? Quem nunca excedeu?

É fato que, neste episódio em foco, houve um sentimento de inadequação de ambos, perante o resto da sociedade. Mas isso nada mais é que a fragilidade humana de um anjo torto.

Eu poderia perguntar: “E agora, José?” Mas não, já perguntei isso na semana passada. Então, pergunto: E agora, Raimundo? Que será do homem e do mundo? Não é o fato da retenção para interrogatório prisional, neste caso citado, que me estarrece, e sim, a exclusiva incapacidade de se dialogar. É a sinistra cegueira que José Saramago tanto questionou.

“O medo fez gelar o sangue do soldado, e foi o medo que o fez apontar a arma e disparar uma rajada à queima-roupa (SARAMAGO, 1995)”. A batalha diária que desenha a realidade brasileira tem formado farpas que nos privam do amor, da tolerância e do diálogo. A fuga não mais habita passado ou morte, mas, sim, refugia-se nos insultos que ganham likes em vídeos e redes sociais.

Segundo Drummond: “Que pode uma criatura senão, / entre criaturas, amar? / amar e esquecer, amar e malamar / amar, desamar, amar? [...]”. É neste vai-e-vem de instabilidades que o homem, como um ser social, estabelece a comunicação, criando laços de amor (e/ou medo). Isso vai depender do quanto o “anjo torto” saberá lidar com sua cegueira.

No poema “Congresso Internacional do Medo”, Drummond escreve: “Provisoriamente não cantaremos o amor, / que se refugiou mais abaixo dos subterrâneos. / Cantaremos o medo, que esteriliza os abraços, / não cantaremos o ódio, porque este não existe, / existe apenas o medo [...], / o medo grande dos sertões, dos mares, dos desertos, / o medo dos soldados, o medo das mães [...], / cantaremos o medo dos ditadores, o medo dos democratas, / cantaremos o medo da morte e o medo de depois da morte. // Depois morreremos de medo [...]."

E assim, a metáfora vai desenhando a intolerância que habita no homem.
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