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27/11/2018 às 09h54min - Atualizada em 27/11/2018 às 09h54min

Alvorada literária de um cronista iniciante

ENZO BANZO | MÚSICO, ESCRITOR E PRODUTOR CULTURAL
Bom dia, Uberlândia. Debuto agora neste espaço como cronista. Eu já cantei por aí, escrevi acolá, saí, voltei. Eu gosto de você, Uberlândia. Gosto sobretudo de como nesta terra tudo se mistura, criando uma coisa que é e não é ao mesmo tempo: o fim de tarde começo da noite, céu vermelho pintura, espetáculos diários para nossos olhares acostumados e deslumbrados. Gosto de parar entre um terno e outro na festa do congado: os sons se misturando indefinidos, ao longe os braços levantando tambores e patangomes, de perto as pessoas cantando com vozes que ouvimos mas não compreendemos.
 
Quando eu era aluno de graduação na UFU, fins dos 90, início dos 2000, fazíamos muitas viagens nos ônibus da universidade (aquele busão apelidado Beethoven, a cada parada um conserto). Sempre havia um destino deslumbrante, fosse Recife, Salvador, Porto Alegre ou o Vale do Jequitinhonha. Na volta tínhamos um clássico grito de guerra: "− Viva o Dão, viva o Dão, não tem nada mas é bão". Era esse, e ainda hoje é, o nosso entreato, entretempo, entrelugar. Aquela conversa costumeira na mesa do bar, reclamando que a cidade não tem isso e aquilo, enquanto pulsa um monte de coisas pra lá e pra cá. Nem sempre vemos o que está sob nossos olhos. Enquanto chega e sai gente da maior expressividade artística do país, de Grande Otelo a Wagner Schwartz.
 
Por exemplo, no último sábado, era aquele típico dia chuvoso para não se fazer nada. Confesso que aproveitei a chuva da tarde para ver um filme, no caso o excelente “The Ballad of Buster Scruggs”, dos irmãos Coen, disponível naquele site que não preciso dizer o nome e que faliu as locadoras do nosso Brasil. Finda o filme, pausa a chuvarada, e havia dois eventos que me interessavam naquele sábado sem nada pra fazer.
 
O primeiro era o Alvorada Cultural. Você já ouviu falar no Alvorada Cultural? Sim, há cultura fora do centro da cidade. Em pleno bairro Alvorada, uma estrutura impecável de som, luz, vídeo, tendas, alimentação, cadeiras. Até tradutor de libras no palco, o que é mais que justo. Quem eram os protagonistas? Crianças e adolescentes que participam de projetos socioculturais conduzidos heroicamente por instituições comprometidas e sérias, que acreditam que cultura na formação humana vai muito além do entretenimento. Tinha teatro, música, cinema, tudo feito pela meninada. Diversão e sentimento profundo. Aquela coçadinha no olho pra disfarçar. Um salve para o grupo Emcantar que, além levantar o evento, apresentou-se no final com a maestria de sempre.
 
O segundo era a Noite Literária. É preciso uma coluna inteira ou várias delas para falar do movimento literário que rola por Uberlândia. Eu viajo muito por aí e não vejo cidade em que se publique tanto livro de poesia e prosa. Nem onde haja evento assim regular voltado para quem faz e gosta de literatura. É preciso saudar os escritores, editores e organizadores dessa coisa toda. E não esquecer do nosso Programa Municipal de Incentivo à Cultura que, embora não tivesse nada a ver com a atividade desse fim de semana, é um dos grandes responsáveis pela possibilidade concreta de um autor publicar o que escreve. Pois bem, lá estava eu em mais uma Noite Literária, no meio das falas, das performances, da música, do espírito agregador entre os amantes de uma arte aparentemente tão solitária. Uma velha amiga sintetizou aquilo tudo em uma palavra: afeto.
 
É o afeto que me move nesse início de carreira como colunista. Afeto e uma certa função social de falar sobre arte e cultura aqui nas nossas bandas. Lançar algum tipo de luz pro que pulsa e acontece, e que por vezes não notamos. Temos muito que aprender e nos aperfeiçoar, mas é preciso perceber que o nosso "não tem nada" é cheio de coisa muito boa.
 
Aliás, deixo a dica da semana para o espetáculo "Dispositivo Coreográfico", do Provisório Corpo Grupo de Dança. Não sei muito sobre como será, mas tem dois Ricardos inovadores nesse projeto que aguçaram minha curiosidade: Ricardo Alvarenga, diretor do espetáculo, e Ricardo Ramos, vulgo Ricardim, responsável pela concepção musical. Dois caras da mais alta vanguarda que vagam por aí entre as nossas ruas. E ainda mais um monte de gente interessante envolvida. É na quarta, dia 28/11, às 20h30, no Teatro Municipal. Nos vemos lá, e nos vemos aqui, terça sim, terça não, que agora virei colunista, coluna 1, coluna 2, coluna do meio, mais uma zebra na loteria da vida. Não tem nada? Acho bão!
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