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12/10/2024 às 08h00min - Atualizada em 12/10/2024 às 08h00min

Sobre o Livre Arbítrio

EDMAR PAZ JUNIOR
Foto: Reprodução/Internet
Não sou especialista político, tampouco ouso dizer o que se deve pensar ou não. Aliás, esta é a nossa batalha contínua em que buscamos pouco a pouco alertar aqueles que se dispõem a tentar ser “menos pior” do que são: não se dobre à pensamentos prontos ou ideologias que pensem por você. Mas notei um movimento interessante nessa última eleição: a forma como muitas pessoas ainda dependem, exageradamente, de uma espécie de guru, de um guia, de alguém que não apenas “valide” suas ideias, mas que verdadeiramente digam o que “devem” fazer. 

Claro que entendo (bem pouco, na verdade) o movimento político e sei que existem várias nuances que influenciam esse jogo de nomes e preferências da população acerca de algumas figuras políticas. Contudo, há algo um pouco mais “abaixo”, um pouco mais adentro da consciência humana que ainda não consigo compreender – bem provável que passe a vida toda sem entende-lo – que é justamente essa necessidade que as pessoas têm de ter uma pessoa para lhes dizer exatamente o que fazer. Se político A fala bem de um candidato, necessariamente tenho que votar nele; se a mídia mainstream fala mal ou ataca um outro nome, significa que temos de descarta-lo, imediatamente. 

Ora, caímos num imenso jogo de soma e exclui, simplesmente porque a grande maioria das pessoas perdeu a capacidade de “racionalizar” sozinha: quase ninguém mais consegue – na verdade, poucos querem – buscar conhecimentos e fundamentos para balizar sua forma de pensar. É como se boa parte das pessoas estivessem num gigante estado de “preguiça” mental: todos querem um pensamento pronto, algo que seja “só seguir”.

É interessante notar como, durante a história da humanidade, tantos pensadores e filósofos nos alertaram para essa liberdade de pensamento. Quase na contramão dessa forma de “esperar” os pensamentos vindo do outro, de desejar que um terceiro nos diga o que devemos fazer, Santo Agostinho, num diálogo com seu amigo Evódio, explica a questão do livre arbítrio que Deus nos concedeu. Na verdade, o Bispo de Hipona escreveu esse trabalho para refutar a ideia de que o homem nasceria “salvo” ou com seu destino “selado”, pré-determinado por Deus, o que não nos daria espaço para agir por conta própria. 

Por que enxergo relação em todos esses fatos que trouxe até agora? Justamente porque quando se tem a ideia de que o nosso destino já está traçado, acaba-se por tolher a independência de escolha – é claro que essa autonomia traz consigo algumas responsabilidades, principalmente a de arcar com as consequências de nossas escolhas, e isso não é lá muito agradável, mas é o que realmente nos distingue dos outros animais no planeta. É meio que uma espécie de “preparação da terra” para o plantio de algo mais grave: se não tenho a responsabilidade pelas minhas escolhas no meu destino final – na verdade não quero arcar com os custos de ter que escolher –, é muito mais fácil não pensar nisso também nas coisas que faço no dia a dia. Veja, nos entupimos de conhecimentos inúteis e rasos e corroboramos teorias e ideologias que nos dão a sensação de pertencimento à um grupo, que valide nossas ideias, e ainda ficamos exalando falsa erudição, não porque temos conhecimento sobre determinados assuntos – te desafio a falar uma hora sobre alguma questão humana que domine –, mas sim porque temos “opinião” sobre muitas coisas.

Na obra o Santo classifica e explica um raciocínio muito simples, mas que aparentemente a maioria de nós esquecemos. São três classificações de “estados” de existência: as coisas que existem apenas, como as pedras; aquilo que existe e vive, como os animais; e uma terceira categoria dos que existem, vivem e entendem, que somos nós, os seres humanos.

Gosto de relacionar esse raciocínio com o de outro Doutor da Igreja, São Francisco de Sales. Este diz que temos duas naturezas dentro de nós, uma angelical, espiritual, e outra animal, carnal. Diz o santo que quanto mais nos aproximamos de uma, mais nos afastamos da outra, e quanto mais isso acontece, maior é a dificuldade de se retornar para a outra natureza. 

Quando pensamos na questão da nossa liberdade, muitas vezes confundimos o que é realmente ser “livre”. Muitos acreditam que ser livre é conseguir “fazer o que quiser”, seguir seus instintos, ou melhor, se render a seus instintos. Pergunto: você é verdadeiramente livre quando sucumbe aos seus instintos ou quando os nega, os domina? A resposta está no parágrafo anterior: se somos livres quando seguimos nossos instintos, estamos apenas existindo e vivendo, como os animais. Perceba: nós temos uma consciência que os animais não tem e, a partir dela, o entendimento para progredir na inteligência.

Evidente que o livro de Santo Agostinho é muito mais denso que apenas esse aspecto específico, mas acho importante tentarmos fazer essa correlação compartimentalizada: o que deveria ser “lugar comum” para a imensa maioria – o raciocínio sobre nossa inteligência, nosso entendimento –, na verdade acaba por ser, a despeito de se ter uma maior quantidade de conhecimento disponível, não utilizado em sua potência adequada. É como se tivéssemos decaídos, não em nossa intelectualidade em si, mas sim na profundidade dos conhecimentos. 

Sobre o Livre Arbítrio, Santo Agostinho.


*Este conteúdo é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.
 
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