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31/08/2024 às 08h00min - Atualizada em 31/08/2024 às 08h00min

Tradição e Talento Individual – Parte II

EDMAR PAZ JUNIOR
Foto: Reprodução/Internet
Vou continuar a coluna de hoje falando sobre o artigo de Eliot, porque ainda há alguns pontos importantes a se abordar a partir dele. Não é demasiado repetitivo o aviso: não existe uma regra específica para o crescimento, principalmente o intelectual, mas há, contudo, uma ordem anterior das coisas, que tanto reiteramos aqui nessa coluna. Quando falamos acerca da tradição, num sentido não tão restrito de sua concepção, buscamos nos referir a ela como uma espécie de agregado, ou melhor, um conjunto de valores, uma carga de coisas boas que resistiram ao passar do tempo e que sobreviveram em diferentes tempos e civilizações.

Há uma passagem na Bíblia, narrada nos Atos dos Apóstolos, que talvez tenha um pouco a ver com isso. Conta uma fala de Gamaliel, um sábio da época da Igreja Primitiva – quando ainda estavam vivos os primeiros Apóstolos de Jesus –, que  durante uma convenção entre os fariseus, na qual estavam decidindo o que fazer com alguns dos apóstolos que foram presos (dentre eles São Pedro e  São João), se os matariam ou não, pois queriam dissipar seus seguidores. Disse o sábio: “(...)atentai bem no que fareis a estes homens. Antes destes nossos dias surgiu Teudas, que pretendia ser alguém, e ao qual aderiram cerca de quatrocentos homens. Mas foi morto, e todos os que lhe deram crédito debandaram e foram reduzidos a nada. Depois dele veio Judas, o Galileu, na época do recenseamento, atraindo o povo atrás de si. Pereceu ele também, e todos os que lhe obedeciam foram dispersos. Agora, portanto, digo-vos, deixai de ocupar-vos com estes homens. Soltai-os. Porque se a sua atividade é de origem humana, logo será destruída; mas se vem de Deus, vós não conseguireis eliminá-los. Cuidado, para não vos pordes em luta contra Deus.”

Normalmente, costuma-se dizer que nem tudo que reluz é ouro, e que nem tudo o que é Belo é verdadeiro, mas que, necessariamente, tudo aquilo que é verdadeiro é Belo e Bom. Como já comentei por aqui no texto sobre um dos livros de Mário Ferreira dos Santos, “Cristianismo: a Religião do Homem”, há uma espécie de caminho, de itinerário, que alguns grandes homens já percorreram e que nos fazem ter um bom vislumbre – para os incrédulos, pois para os de Fé, é uma certeza – do que pode ser a Verdade. Ora, o que faz uma história permanecer e ser contada ao longo dos anos, séculos ou milênios?

Mesmo que não se queira admitir a raiz em uma Sabedoria Eterna e superior a tudo, percebe-se que o que fica reverberando ao longo do tempo tem muito a ver, ou seja, retrata o que realmente somos (principalmente acerca dos sentimentos e dramas humanos) e como aquilo que se faz presente no que vemos no dia a dia (não se pode olhar para uma grama verde e dizer que ela é rosa), remetendo, inevitavelmente, àquela Sabedoria.

Para que possamos, em certa medida, como dito no texto anterior, conseguir produzir algo novo, é preciso que tenhamos em mente que tudo o que vemos hoje – e somos – tem como fundamento um “amontoado” de conhecimentos transmitidos (e recebidos por nós, quer queiramos ou não) pelos que vieram antes de nós. Nessa linha, continuando com um trecho do texto de Elliot, o escritor ensina um interessante conceito sobre o que entende por tradição: 

“Ela não pode ser herdada, e se alguém a deseja, deve conquista-la através de um grande esforço. Ela envolve, em primeiro lugar, o sentido histórico, que podemos considerar quase indispensável a alguém que pretenda continuar poeta depois dos vinte e cinco anos; e o sentido histórico implica a percepção, não apenas da caducidade do passado, mas de sua presença; o sentido histórico leva um homem a escrever não somente com a própria geração a que pertence seus ossos, mas com um sentimento de que toda a literatura europeia desde Homero e, nela incluída, toda a literatura de seu próprio país, têm uma existência simultânea e constituem uma ordem simultânea. Esse sentido histórico, que é o sentido tanto do atemporal quanto do temporal e do atemporal de do temporal reunidos, é que torna um escritor tradicional. E é isso que, ao mesmo tempo, faz com que um escritor se torne mais agudamente consciente de seu lugar no tempo, de sua própria contemporaneidade.”

Eliot diz, ainda, o que entendo ser o arremate final de como pertencemos e somos exatamente aquilo que nos foi deixado: “Alguém disse: ‘os escritores mortos estão distantes de nós porque conhecemos muito mais do que eles conheceram’. Exatamente, e são eles aquilo que conhecemos.”

Tradição e Talento individual, T.S Eliot. 


*Este conteúdo é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.
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