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05/09/2024 às 08h00min - Atualizada em 05/09/2024 às 08h00min

Ipês brancos

IVONE ASSIS
Lendo “Poesia completa”, de Manoel de Barros, às páginas 482 e 483, recostei-me à sombra dos Ipês, para ler “Cantigas por um passarinho à toa”. Da costela deste poema, foi extraído “O idioma das árvores”, canção poema oriunda de duas estrofes do poema deste mesmo autor. Esta é mais uma clássica produção de Manoel de Barros direcionada ao público infantil.

“O idioma das árvores” diz: “Eu queria aprender o idioma das árvores. / Saber das canções do vento nas folhas da tarde. / Eu queria apalpar os perfumes do sol. / Sentado sobre uma pedra / No mais alto do rochedo / Aquele gavião se achava principal: / Mais principal do que todos. / Tem gente assim.

Essa canção, como diz um verso do poema “A nossa garça”, do mesmo autor, é uma “elegância da garça desabrochada no brejo”.

Enquanto refletia sobre aquela cantiga do passarinho, fui visualizando o meu próprio caminhar na avenida Rondon Pacheco, onde há dias venho contemplando os Ipês Brancos, com o seu florescer.

Essa avenida está ornada por Ipês, e nestes dias é época dos Ipês Brancos. Mesmo os pequeninos, desabrocharam como a garça, no brejo. Agora, mais que caminhar, temos uma leitura poética, que toma conta da avenida. É possível parar debaixo dos maiores e buscar uma contraluz, seja com a lua, seja com os postes de iluminação, para agigantar a alvura das flores daqueles ipês, tão apaixonantes.

Na porta do Fórum, ironicamente, ou talvez já pensados como forma de amenizar a dor de muitos, estão dos mais belos ipês. São imponentes, e tomam conta de todo o cenário. Não há como passar despercebido a tamanho encanto. Aqueles ipês brancos são como a noiva a encantar com sua beleza.

Entre um ipê e outro, em alguns pontos dos canteiros ou de calçadas, uma outra árvore, com folhas similares ao pau-brasil e vagens compridas como da acácia, porém mais largas, cujo nome não sei, produz um som maravilhoso, como se suas sementes estivessem a tagarelar. De longe se ouve a “conversa”. Penso que estão a rir de nosso espanto diante de tamanha beleza e mistério. É como se vibrassem com os ipês, botando língua para a sequidão.

Outro dia, enquanto descíamos correndo, sob o sol escaldante, ao perceber a tagarelice daquelas vagens, saímos da calçada e saltamos para o canteiro, mas elas são meninas traquinas. Percebendo nossa curiosidade, silenciaram por completo. Esperamos alguns segundos, e continuamos nosso curso. Ao chegar do outro lado da rua, elas caíram na gargalhada, e começaram todo o burburinho outra vez.

Descemos rindo da façanha. Comparamos o episódio com um pé de jasmim manga, de flores vermelhas, que habita uma esquina da locadora de veículos. Desde o hotel é possível perceber sua fragrância, mas quando nos aproximamos, o cheiro parece se ocultar. As bem-te-vis, que estão sempre ali por perto, lançam seu canto sutil, como se convocassem os bem-te-vis a cantarem em alto e bom tom, “bem te vi”.

Ainda que por uma curtíssima apresentação, ainda que por uma brevidade de tempo, aqueles ipês se enchem majestosamente de flores. São milhões de pequeninas flores, que, de longe, parecem um buquê gigante. A noiva desses buquês é a natureza e o palco escolhido foi Uberlândia, e o tapete (não vermelho, mas preto), é o asfalto da avenida Rondon Pacheco. A brancura dos Ipês promove um contraste ainda mais generoso e de maior encantamento.

Com tanta sequidão, com tanta poeira, com tanto fogo e fuligem, é como se aquela alvura dos Ipês viesse para desafiar a pequenez humana, que se perde na ambição e se esquece de que a vida é breve. O cerrado é a prova de resistência. Ele não se sucumbe às dificuldades. É na crise que ele se agiganta, provando que é possível. Um viva aos Ipês Brancos.


*Este conteúdo é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.
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