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12/09/2024 às 08h00min - Atualizada em 12/09/2024 às 08h00min

A vida não é um filme

IVONE ASSIS
Do indissolúvel ao solúvel, quando se trata de casamento, há um abismo que abocanha os filhos. Se o Código Civil brasileiro de 1916 proibia a separação e se a Lei nº 6.515, de 26 de dezembro de 1977 abriu portas para o divórcio, isso é uma questão prática das coisas, mas nesse “fica e não fica”, como fica o psicológico dos filhos, sobretudo quando crianças? (e a maioria o é).

No princípio, temiam que a legalização do divórcio aumentasse o número de aborto, alcoolismo, suicídio, prostituição, menores abandonados e outros. Depois, entenderam que estava tudo bem, isso era “tabu”. O divórcio se tornou prática rotineira, o suicídio foi atribuído a doenças psicológicas, o alcoolismo foi legalizado, a prostituição virou profissão, o aborto é pauta política capaz de angariar votos, menores abandonados é normal, a delinquência juvenil é culpa da sociedade, e está tudo “certo”. Qual foi o impacto?

Quando a lei legaliza qualquer coisa, isso é introduzido na mente humana como algo sem efeito colateral. O que, nem de longe, é verdade. O ser humano é moldado pelos laços afetivos e pela convivência, e quando isso se rompe, é preciso um processo de cura da ferida para que não se converta em um “câncer” terminal.

As consequências e os danos promovidos pela ruptura não superada podem ir de leve a muitíssimo grave. Juristas, psicólogos e psiquiatras do mundo inteiro lidam com esta questão o tempo todo. A temática é pauta para universidades e sociedade, mas tampar a realidade com um pano de fundo é mais barato aos cofres públicos. Atender ao anseio de mentes doentes, em vez de tratar de tais mentes, é mais barato e gera votos. Quando tudo passa a ser normal, faz-se valer o insano pensamento de que “pessoas morrem, mas nascem outras”. Ou seja, tanto faz.

O divórcio vem acompanhado da ira e da tristeza nos filhos. Isso, geralmente, não é promovido somente pela ausência de um ou do outro, mas, sim, pelo desacato entre o casal, que é repassado o tempo inteiro aos filhos. Com isso, além da criança viver sua própria dor, ainda precisa carregar os fantasmas dos pais. O diálogo civilizado seria um bom ansiolítico, mas esse, raramente, é ministrado. Toda essa angústia da criança começa a escoar na adolescência, por meio dos efeitos colaterais citados, do vício e outros. A inquietação psicológica é negativa e destrutiva. E se a criança é impactada, o adulto será o resultado disso. Daí vem mais casamentos tortos, mais pais agressivos, mais gente desajustada...

Não se trata de proibir o divórcio, e sim, cuidar da afetividade familiar. O tratamento emocional é tão necessário quanto comer, beber água e dormir. O emocional se trata com ações e não com mi-mi-mi ou leis. Emocional adoecido remete a tremores, ansiedades, baixa autoestima, doenças múltiplas, separações, crimes e tantos outros. Emocional tratado não precisa de divórcio. Sociedade saudável não carece de prisões. Mentes sadias não carecem de psiquiatrias.

A psicóloga e servidora pública do tribunal de justiça, Josiane Alves de Carvalho Hernandes, recentemente, lançou uma obra infantil, cujo título é “Como superei a separação dos meus pais”. A autora busca mostrar, de modo lúdico, o conflito e a culpabilidade que a criança carrega em processos de separação dos pais. Também aponta alguns caminhos que a criança pode trilhar para vencer a sua dor.
A repercussão psicológica e social de um desajuste emocional na vida do ser humano só é capaz de destruir ainda mais o ser afetado. Milhares de autores se debruçam nesta temática, mas quem os lê? Onde são promovidos os debates? Como são explanadas essas ideias? Um livro só é livro se for lido, interpretado e debatido. Nossa sociedade está manca de conhecimento.

Ou tem-se maior compromisso com a vida, ou se terá menos vida para se comprometer. Entre o indissolúvel e o solúvel há sempre o processo, e é nele que mora o diferencial. A vida não é um filme.


*Este conteúdo é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.
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