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14/09/2024 às 08h00min - Atualizada em 14/09/2024 às 08h00min

Tradição e Talento Individual – Parte III

EDMAR PAZ JUNIOR
Foto: Reprodução/Internet
Quero continuar essa série sobre o texto de Eliot, caminhando para uma percepção de que, no final das contas, a Tradição pode acabar por se tornar uma questão de maturidade intelectual. Veja, não significa que esteja contrapondo o que disse até agora. Pelo contrário, estamos partindo mais para uma exponenciação, uma espécie de ampliação do que dissemos antes.

A maturidade intelectual, esse processo que nos eleva e permite a melhor percepção da realidade, é um verdadeiro paradoxo, principalmente por ter que, necessariamente, termos tido contato com vários tipos de temas e autores, mas que, ao mesmo tempo, também surge como uma forma de exclusão, por seletividade, do que não devemos consumir: devemos ler muito, isso é fato, mas talvez não devêssemos ler muitos.

A princípio, talvez pudéssemos encarar como uma vantagem o “ler de tudo”. Estaríamos, assim, “aumentando” o alcance de nossos horizontes, dando “base” para outros tipos de conhecimentos, enfim, poderíamos elencar várias teses a favor dessa corrente. 

Porém, não acredito que essa seja, de fato, a melhor solução para a construção de um conhecimento mais denso. Veja, como falamos no artigo sobre o livro A Rebelião das Massas, de José Ortega y Gasset, os últimos tempos nos trouxeram mais possibilidades das mesmas coisas, sob o manto da diversificação: é como se pegássemos uma caixa de papelão e a produzíssemos em vários formatos e cores diferentes, mas o material, a essência, permanece a mesma: um papelão.

Feito isso com o conhecimento, com os assuntos filosóficos, com as questões que versam sobre nossas vidas, as pessoas acreditam – ou melhor, se perdem – na ideia de que quanto mais lerem sobre variados temas, serão mais sábias. Não percebem, contudo, que no fundo as questões são sempre as mesmas, e que por se dispersarem na variedade de “cores e formas”, acabam por não “conhecerem nada”.

Esse é o ponto: é preciso, antes, dar profundidade, e não somente tomar a quantidade pela quantidade. Pense em quantos assuntos nós dominamos de tal forma, que poderíamos falar sobre ele por uma hora, ou dar uma “aula” para quem tem, de fato, sede de conhecê-lo mais a fundo.

Ler de tudo pode até ser bom, mas não por tempo indefinido, não por toda uma vida. Este pode ser um ponto interessante. Corção já disse uma vez, no seu A Descoberta do Outro: “Os maus livros são bons às vezes, como a mesma pedra pode servir para tropeço ou para edificação. As obras racionalistas sobre educação ou sobre pobreza tiveram em mim salutar influência, obrigando-me ao desespero, às lágrimas de desespero que são um começo da esperança”.

Eliot parece apontar o mesmo paradoxo quando diz que é preciso ter uma ordem anterior para criar algo novo e que para manter um conhecimento, uma tradição, ou uma forma de se pensar e perceber o mundo, não basta somente a quantidade disponível de informações. 

“Enquanto, porém, persistirmos em acreditar que um poeta deve saber tanto quanto exijam os limites de sua necessária receptividade ou necessária indolência, não será desejável restringir o conhecimento a tudo quanto possa ser posto sob forma proveitosa de pesquisas, recepções, ou sob os ainda mais pretenciosos modelos publicitários. Shakespeare adquiriu mais noções básicas de história nos textos de Plutarco do que a maioria dos homens poderia ter adquirido em todo o Museu Britânico.”

Perceba também, que não se trata somente daquilo que recebemos, mas bem mais sobre o estado interior em que estamos – sobre “abertura de alma” dita por Sertillanges – quando absorvemos o conhecimento, se estamos dispostos a refletir sobre, ou melhor, se estamos conscientes de que a pluralidade, a variedade, a quantidade de informações sem uma devida análise (na verdade, sem filtro mesmo) se torna mais prejudicial do que propriamente benéfico. 

Se não nos prepararmos interiormente para recebermos o conhecimento, podemos ter a Biblioteca do Congresso Americano, em Washignton, que não vamos ter “nada”. A maturidade intelectual versa, antes, sobre quem somos e não sobre o que sabemos. 

Tradição e Talento Individual, T.S. Eliot.

 
*Este conteúdo é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.



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