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14/06/2023 às 08h00min - Atualizada em 14/06/2023 às 08h00min

Por que o Dia Nacional do Congadeiro e do Reinadeiro?

Por Dandara Tonantzin, deputada federal

Por que uma lei do Dia Nacional do Congadeiro (a) e do Reinadeiro (a)? Poderia parecer mero aceno laudatório a uma festa popular. Datas comemorativas são ocasiões criadas para resgatar memórias, reconhecer feitos e afirmar existências. Um olhar mais atento, inclusivo e histórico vai revelar que a criação dessa data comemorativa é o tardio reconhecimento da viva intervenção da negritude na cultura nacional. Somos um país de diversidades múltiplas que é também constituído pelas práticas e manifestações afroculturais. 

A diáspora africana pretendeu-se o apagamento de todo um povo com sua existência e resistência, sob o ideal de um “Novo Mundo” no além-mar sem influências do Velho Continente africano. Pretensão ingênua, não fosse uma perversidade felizmente fracassada. Os negros aportados na terra brasilis trouxeram como única bagagem a sua identidade cultural (tradições, crenças e cosmovisões). Nunca esquecida ou corrompida. Uma dessas identidades afroculturais é a tradição congadeira em reverência ao Rei Congo e à Rainha Conga de África.

Enquanto manifestação de fé, o congado é um “culto aos ancestrais” assim compreendido o “sagrado respeito aos mortos como um cordão umbilical que liga os congadeiros espiritualmente à vida por toda a eternidade; é um culto aos Reis, Rainhas e Anciãos”, reverenciados com indumentárias, ritmos, cantos e danças alegres. Um culto realizado por nações diversas: Congos, Moçambiques, Marinheiros, Marujos, Catupés e outros. Em certas comunidades, aparecem sob a forma de nações Reinadeiras.

O Congado recebeu influências locais de “fé e confiança na interseção de São Benedito, Santa Ifigênia, Nossa Senhora do Rosário e outros Santos de Orixás”. Uma religiosidade mesclando raízes africanas, catolicismo e referências ao candomblé (Preto Velho). A reverência aos santos é dominante e esperançosa, como nas letras de canções: “Meu São Benedito; Tem pena de mim; Ajuda eu vivê; Lá no meu cantim”; ou “Essa santa é muito antiga; Do tempo da Escravidão”. A referência às religiões afrodescendentes acontece na existência de dançadores que com a função de espantar negatividades, limpar as passagens.

Também está presente nas canções relação e o respeito aos festeiros que recebem os ternos em suas casas: “Oi dá licença; Pra gente chegá”; e, de agradecimento na partida: “Oi que é hora; Nóis vamos imbora”.

Mostrando-se complexo, o Congado enquanto posse comum de memórias, reafirma a multiplicidade de valores e sentidos que coexistem no país e enfrenta a incompreensão sobre seus significados muitas vezes vistos de forma caricata ou exótica.  Uma visão típica do racismo contra o qual o viver em conjunto da comunidade congadeira é uma forma de resistência.

Indo além dos cultos de fé e em interação com as existências dos negros durante e após a escravidão, as danças e cantos também rememoravam o “nascimento de crianças, a chegada das chuvas, colheitas e a saudação da primavera, chegada do Rei ao Brasil, lutas entre nações Congo X Moçambique e tantas situações. Estas práticas sociais aconteceram em paralelo à Independência, ao advento da República, à Abolição incompleta, à exploração das riquezas, à expansão das fronteiras, à urbanização” e aos processos de exclusão. 

Na transição do Império e da Escravidão para a República e o desenvolvimento desigual estruturalmente racista no Brasil, surgiram e se desenvolvem elementos históricos das Congadas conscientes dos diversos interesses e dos embates de valores. Algumas canções trazem elementos da fusão de valores e de distanciamento dos dominadores e dos racistas: “Pra Rei branco nunca vê; O Rei Congo é nosso Rei; Outro Rei queremos não”; ou “Eu não sou negrero; Cria de ninguém; Eu sô congadero”; ou “Num sô pediguero; Neguim de sinhô; Sô moçambiquero de muito valô”; ou “Moçambique vem da guerra; Lutô contra escravidão”. 

Cada vez mais as Congadas crescem arregimentando pessoas nos estados de Goiás, São Paulo, Espírito Santo, Rio de Janeiro, Bahia e, especialmente em Minas Gerais. Atrai ampla participação de crianças e jovens que perpetuam a tradição de fé, cultura e prática social. Por isso, o Congado, com sua tamanha influência cultural e que também povoa e compõe a alma nacional, precisa ser reafirmado e reconhecido. Criar o Dia Nacional dos Congadeiros(as) e Reinadeiros(as) é instituir um marco comemorativo que afirme valores, eleve a autoestima congadeira e faça do Brasil um país cada vez mais multicultural e multirracial.

 

Citações in: Brasileiro, Jeremias. “Congadas de Minas”, Fundação Cultural Palmares, 2001.

 
*Este conteúdo é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.
 
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