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22/02/2024 às 08h00min - Atualizada em 22/02/2024 às 08h00min

O que o carnaval tem a ver com o direito à cidade?

Por Amanda Gondim, advogada e vereadora
O Direito à Cidade é uma compreensão profunda de que todos nós desempenhamos um papel fundamental na construção e desenvolvimento da cidade em nosso cotidiano. Essa concepção vai muito além da simples infraestrutura e acessos, abrangendo a resolução de desafios cruciais como saneamento básico, acesso à moradia digna, adoção de tarifa zero e enfrentamento de tantas outras questões que emergem como alarmantes em diversas cidades. 

Na realidade, o cerne do direito à cidade se manifesta quando percorremos as ruas, utilizamos meios de transporte para ir ao trabalho ou estudar, participamos do processo democrático ao eleger nossos representantes, contribuímos na construção de nossas moradias, ocupamos os espaços públicos e nos mobilizamos em prol de nossa comunidade ou território.

Se tudo isso faz parte da nossa construção diária da cidade, então temos o direito de usufruir e ocupar a cidade de forma igualitária e democrática.

Nesse contexto, o carnaval se revela como uma manifestação crucial do direito à cidade, representando um movimento coletivo que viabiliza o pleno exercício da transformação dos espaços através do poder da comunidade. Este evento anual, marcado no calendário, possui em sua essência a função de debater, por meio da ocupação festiva, questões sensíveis como desigualdade e opressão. 

Tais como o racismo, capacitismo, lgbtfobia e desigualdades de gênero. A convergência dessas temáticas não apenas está determinada, mas também exerce um papel determinante na concretização da cidade. O carnaval, portanto, se estabelece como um catalisador social capaz de proporcionar uma plataforma significativa para a discussão e reflexão coletiva sobre questões fundamentais da sociedade.

Todos os anos o Brasil celebra o carnaval como uma de suas principais manifestações culturais em diversidade e pluralidade. Pensar na ocupação das ruas de forma livre e segura é exercer o direito à cidade, descentralizar a cultura para que toda a população possa ter direito ao lazer e às suas manifestações, entender que a economia criativa também precisa chegar até a periferia é ponto de luta histórico. O carnaval de rua proporciona que grupos historicamente excluídos da ocupação dos espaços pelo sistema socioeconômico vigente possam exercer seu direito à cidade, a qual constroem todos os dias em seu cotidiano. 

Muitas vezes presos no contexto de uma rotina cotidiana que os mantém reféns de um sistema de transporte público precário e demorado, no qual grande parte de seu dia é ceifada pelo trajeto. Além das dificuldades de acesso à infraestrutura que não necessariamente representam o significado do direito à cidade em seu cerne, mas que impactam diariamente a produção de cidade que é feita.

A maior manifestação cultural brasileira pode proporcionar a possibilidade da construção de uma cidade democrática, em que os indivíduos possam existir e ser quem são sem sentir medo ou estarem presos por condições socioeconômicas desfavoráveis. Esse resgate do que deve ser o direito à cidade como uma utopia das lutas sociais atuais é imprescindível na construção das cidades que queremos para as próximas gerações.

O carnaval é uma celebração política, que desafia a concepção da cidade, dos espaços e dos acessos, e para quem eles foram construídos. Esse tensionamento é indispensável ao que tange o desafio da construção de espaços públicos verdadeiramente democráticos. Quanto mais pessoas diversas em suas crenças, orientações, classes sociais, identidades, expressões de gênero, raças e corpos participem do carnaval de maneira segura e possam se sentir livres em serem quem são, mais democrática é a cidade. 

Carnaval é catarse, é uma odisseia de culturas e significados, é tudo que qualquer um queira ser.



*Este conteúdo é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.
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