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22/01/2019 às 08h45min - Atualizada em 22/01/2019 às 08h45min

O enterro de Raphael Rinaldi

ANTÔNIO PEREIRA
O médico Raphael Rinaldi era italiano, natural de Sacco, província de Salerno. Foi o primeiro a fixar-se em Uberabinha, lá pelos idos de 1898, logo depois da chegada dos trilhos da Mogiana. Não foi o primeiro médico da cidade. Antes dele, Carlos Gabaglia também esteve por aqui, um ano apenas, a contrato do povo e da Câmara Municipal. Em seguida, voltou para o Rio de Janeiro, onde morava sua família. Raphael Rinaldi também chegou sozinho; sua família ficou na Itália. Instalou-se na rua Felisberto Carrejo e não marcou preço para consultas. Dessem-lhe o que quisessem. Resultado: para conseguir sobreviver e enviar alguma coisa para a família, teve que se desdobrar. Plantou tomates no quintal e produzia extrato que vendia na cidade. Produzia também um queijo especial, muito consumido em São Paulo. Como médico da roça, com a agravante de ser extremamente caridoso, quando recebia alguma coisa, eram frangos, capados, cestas de ovos, essas coisas. Os ricos pagavam o quanto queriam. Isso não o desgostava.

Tinha um jeito taciturno. Costumava andar só pela cidade em longos passeios, geralmente à tarde, vestindo um longo paletó preto com os bolsos repletos de balinhas e confeitos. A gárrula molecada da rua seguia atrás do velho silencioso recebendo o carinho das guloseimas. Nunca trouxe a família. Talvez as rendas da clínica e das indústrias domésticas não lhe tenham permitido essa despesa.

Foi o primeiro a receitar e a aplicar injeções que o povo aceitava sempre ressabiado com a novidade. Não combatia os raizeiros. Pelo contrário, orientava-os com princípios elementares evitando que cometessem enganos de danosas consequências.

Faleceu no dia 26 de novembro de 1911 e foi enterrado no Cemitério Municipal que ficava onde é atualmente a Vila dos Oficiais do Exército, na descida para o Praia Clube. Seus restos foram transladados para o Cemitério de São Pedro por iniciativa de Custódio da Costa Pereira e outros amigos. Na campa lê-se: “Ao médico dos pobres Dr. Raffaele Rinaldi pequena lembrança dos seus amigos de Uberabinha - 1911”. A morte se deu às 19h, Raphael, ou Raffaele, estava com 72 anos de idade. Foi um susto na cidade. Todo mundo acorreu à Igreja de Nossa Senhora do Carmo e São Sebastião que ficava na praça Cícero Macedo. Ali o cônego Pedro Pezzutti, também italiano, que publicou a primeira história de Uberabinha, em 1922, fez a encomendação do corpo e um discurso ao final. A Igreja estava cheia, gente de todas as classes sociais e de toda cor, apesar das discriminações fortes que havia na época. Muito choro. Da Igreja, o corpo foi levado para o Cemitério, logo abaixo, seguido por multidão acima de seiscentas pessoas. À frente do cortejo vinham alunos do Colégio São José. Em seguida, circunspecta e conduzindo a bandeira da Itália, em luto, a grande colônia italiana. Depois vinha a Banda União de Santa Cecília e, logo atrás, os representantes do comércio, a magistratura e os figurões importantes da cidadezinha. O caixão tinha oito alças que passavam de mão em mão a cada segundo. À frente dele, muitas coroas carregadas na mão. Depois do caixão, a Banda União Operária executava pesarosa uma Marcha Fúnebre. Depois da Banda, a massa popular e as famílias misturadas, brancas, negras, ricas e pobres. Ao final, a Banda Juvenil Euterpe (era uma banda de estudantes) e uma Guarda de Honra da Primeira Cadeira Estadual (era assim que se designavam as escolas simples da época). Chegando ao cemitério, depositaram o esquife à beira da cova e discursaram o rábula e professor Francelino Cardoso, a senhorita Josefina Souza e o doutor José Silvino de Faria.

Foi assim que a velha Uberabinha se despediu do seu primeiro médico fixo, raro exemplo de dedicação e amor ao próximo.
 
 
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