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21/06/2024 às 08h00min - Atualizada em 21/06/2024 às 08h00min

Encontros (lembranças)

WILLIAM H STUTZ
Uma pequena explicação. Um levantar, ainda no escuro, para aproveitar silêncio e não deixar escapar pensamentos. Tentativa vã de salvar boas lembranças que à tona vieram depois de noite especial. Não adiantou. Invasão. Pedreiros armados de picolas, maquitas, radinhos irritantes em música gospel alguns e funk outros. 

Conversas sem pé nem cabeça nos são impostas, do crime bárbaro de ontem, à tentativa de conversão como caminho. E o tal do dízimo? Pergunta, em jogar de telha para o alto. É a palavra, responde outro. Imagino que a prosa vai longe, mas um berro do pedreiro mor a pedir mais telhas interrompe a pregação. Esta até me interessou. Queria ver no que ia dar.

Fato é, este incrível exército de Brancaleone resolveu adiantar serviço de uma sexta-feira na qual, mais uma vez, a CEMIG, com comum desculpa de “melhor servir”, nos faz o hediondo favor de jurar corte de energia de 12 às 17. Não fosse o trocar de telhado no meio do qual me encontro não importaria. 

Muito calejados estamos com estas já corriqueiras interrupções. Esforço-me em sorriso de poucas amizades para receber os que, assenhoram-se em segundos e poeira ocupam meu espaço. Isso já dura uma eternidade de uma semana e ainda promete.

Ontem estourou cano na laje, sabe-se lá como. Cachoeira pelo globo de luz desaguou exatamente sobre nossa cama.  Vivemos em obras, como João-de-barro, raro ano não se faz coisa ou outra. Juro, não me acostumei. Mas o amanhecer no escuro era para falar de assunto agradável. Deixemos o campo de batalha das reformas.

Fato é que, em dia de paz e casa em ordem, entre verduras, frutas e cheiros coloridos, capazes de confundir em êxtase qualquer passarinho ou abelha, assim em um repente, encontro Paganini, autor de “Contos de uma vida bancária”. Livro que degustei como sommelier frente à rara safra. Isso em pleno domingo em supermercado.

Entre tucanos, lembranças da ponte do Pau-Furado, flamboyants, casa de Cora Coralina, todos em suaves aquarelas de Ana, encontro Marília Cunha. Não careço perder em formas de tratamentos. Falta de educação não há em chamá-los de “você”, mesmo sabendo da imperiosa necessidade de agora em diante evocar concordâncias com verbo na terceira pessoa. 

Apesar de ser o primeiro encontro real, muito temos em comum, e não de hoje. Vem de longe. O que nos aproximava? O escrever e claro o publicar finado Correio e agora no nosso DIÁRIO, aqui permaneço sem os dois. Foram momentos agradabilíssimos, curtos é fato, mas de intensa troca aproximadora. Com Agostinho Paganini (que nos deixou há alguns anos, nos deixando mais pobres em letras) a certeza de que os afazeres do cotidiano podem ser, e geralmente são, prazerosos.

Com Marília, uma conspiração nasceu, mas essa ainda precisa mais corpo. Como a Inconfidência Mineira, está por nascer corrente contra opressão linguística, mas essa é outra prosa. JB Guimarães e sua taberna literária que nos aguarde para encontros onde em surdina, traçaremos nossos planos.

Noite perfeita, pessoas perfeitas. Terminou com jantar só para nós, em restaurante geralmente lotado e com fila de espera. Nessa noite magicamente nos esperava em silencioso sossego. Claro, tive que explicar meu pedido para três garçons, pois o mesmo não constava do cardápio: filé mal-passado, arroz, fritas e salada. Se batizado de Chateaubriand poderia constar entre os pomposos nomes da carta. O simples é tão complicado. Retorno a meu acalorado dia. Sei não, ou acabo fanqueiro, ou convertido o que, realmente duvido muito.


*Este conteúdo é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.
 
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