Diário de Uberlândia | jornal impresso e online Publicidade 1140x90
09/10/2017 às 14h45min - Atualizada em 09/10/2017 às 14h45min

Pelo desarmamento (quase) total

ALEXANDRE HENRY ALVES* | COLUNISTA

O tempo passa e eu fico cada vez mais convicto de que as armas de fogo deveriam ser praticamente banidas. É um pensamento antigo que ganha reforço toda semana, especialmente quando há uma tragédia como a de Las Vegas. E, sempre que me posiciono nas redes sociais contra as armas, enfrento um exército de pessoas que veem nelas a salvação.

O primeiro argumento que me apresentam é o de que países que permitem que a população se arme são mais seguros. Porém, não há pesquisas seguras que confirmem isso, a não ser em blogs armamentistas. A Suíça permite que seus cidadãos possuam armas e tem um baixo índice de violência. O Japão é um dos que mais restringem o uso de armas, mas também tem baixíssimo índice de homicídios. Enfim, parece-me que a segurança está muito mais ligada à capacidade dos órgãos de repressão atuarem, bem como a uma cultura pacífica da população, do que ao porte de armas.

O segundo argumento que me apresentam é o de que as armas inibem o ladrão. Bobagem. Na mesma linha do que disse acima, ninguém deixa de assaltar por medo de que a vítima esteja armada. Se fosse assim, países como o Japão, a Alemanha e a Inglaterra, que coíbem as armas, teriam altos índices de crimes. Já países com grande tradição armamentista, como os EUA, não teriam roubos. Mais uma vez, repito: não há relação clara entre uma população armada e um baixo índice de criminalidade, a não ser em pesquisas de blogs tendenciosos. Ladrão que acha que a vítima pode estar armada não vai deixar de cometer um assalto. Ao contrário: vai é chegar atirando logo de uma vez, para não correr o risco de morrer.

Também argumentam comigo que o problema não é a arma, mas quem a usa. Já me disseram que um carro pode ser usado como arma e nem por isso é proibido. Sim, pode ser usado. Mas, vamos ao exemplo do alteplase. Você sabe o que é isso? É um medicamento muito importante para tratamento de infartos e AVC. E aspirina, você sabe o que é, né? Pois bem, tanto o alteplase quanto a aspirina podem matar, mas só a aspirina pode ser comprada livremente na farmácia. O alteplase é ministrado exclusivamente no ambiente hospitalar, nas UTI’s, em casos muito específicos e por médicos treinados para isso durante anos. É certo que muita gente poderia se salvar se tivesse em casa o alteplase para usar em caso de um AVC, por exemplo. O tempo de deslocamento até o hospital pode ser fatal. Mas, por que a aspirina é vendida livremente nas farmácias e o alteplase não é, mesmo havendo certeza de que ter esse medicamento em casa poderia salvar muita gente? Porque os riscos do uso inadequado do alteplase são infinitamente maiores do que os do uso da aspirina, embora os dois possam levar uma pessoa à morte. A analogia que faço em relação às armas é a mesma. É certo que um carro pode matar tanto ou até mais do que uma arma, mas o carro tem inúmeros outros usos que a arma não tem. Mais do que isso, o risco de uma tragédia nascer do porte de uma arma é muito maior do que o risco de uma tragédia nascer de uma direção veicular.

O carro é a aspirina, a arma é o alteplase. A arma é importante? Claro que é! Eu sou favorável a revólveres, pistolas, fuzis, metralhadoras etc. Só não quero isso na mão de quem não passou anos se preparando para usá-lo. Armas de fogo devem existir, mas na mão de gente muito bem treinada, que está acostumada a situações de estresse absoluto com uma pistola nas mãos. Em resumo, policiais. Se o treinamento deles não é adequado no Brasil, que se melhore. Mas, ainda que com treinamento inadequado, confio muito mais em uma pistola na mão de um policial do que na mão do meu vizinho.

Armas causam tragédias. Armas não evitam crime. O que diminuiu os assaltos a banco não foi colocar dezenas de vigilantes armados com fuzis, mas melhorar sistemas de proteção, como portas giratórias, cofres com temporizador e por aí vai. O crime deve ser combatido com inteligência, deixando-se a força apenas para quando a inteligência não funcionar e, ainda assim, apenas a cargo de quem está preparado para usá-la. Armar a população vai trazer como consequência cenas como a de Las Vegas, no último domingo, bem como um aumento ainda maior dos crimes passionais, além de colocar mais armas nas mãos dos bandidos. Hoje, a maioria dos revólveres e pistolas usados em assaltos, homicídios e latrocínios é de armas que foram compradas legalmente, por cidadãos de bem, mas que foram apropriadas pelos bandidos em furtos às residências.

Enfim, sou contra armas e vou continuar sendo. Os argumentos a favor do porte de armas já me são conhecidos e, até agora, não se mostraram eficientes para me convencer do contrário.

(*) Juiz Federal e Escritor - www.dedodeprosa.com

Leia Também »
Comentários »
Diário de Uberlândia | jornal impresso e online Publicidade 1140x90