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01/09/2017 às 17h13min - Atualizada em 01/09/2017 às 17h13min

Festa da Congada e a cidade de Uberlândia: o que têm em comum?

JEREMIAS BRASILEIRO* | LEITOR DO DIÁRIO

Como podemos pensar em uma festa tradicional que ocorre no centro da cidade de Uberlândia há mais de 140 anos e de que modo as mudanças, as transformações dessa manifestação, em alguns aspectos, parecem confundir-se com a própria cultura desenvolvimentista da cidade? Como é possível, nesse contexto, refletir sobre esse sentido de progresso capaz de anular, ocultar, apagar o passado, caso não exista uma política pública tanto de valorização com investimento real para a cultura popular, e ainda trabalhar com educação patrimonial contínua mais abrangente, envolvendo toda a sociedade e não somente aqueles protagonistas das práticas culturais e os gestores públicos?

A festa da Congada de Uberlândia nos fins do século 18 iniciou-se com grupos de Congado fazendo uso de embiras para trançar fitas nos dias de festejos, caixas de cordas e de couros, bandeiras confeccionadas com palhas de milho. Já no início do século 19, o espaço na Igreja do Rosário, como diz o congadeiro Saturnino Neto, era ainda circundado por matagal, com muitas árvores de cerrado que davam aquelas vagens pretas, e só existia passagem pela Cesário Alvim e Floriano Peixoto; caso contrário, o atalho era por trilhos no meio do matagal.

Nota-se, desse modo, que a luta e a resistência para a continuidade da tradição da Congada, mesmo com suas transformações ao longo dos tempos, fazem parte da história da cidade que por muitas vezes inclusive, houve tentativas de retirar a festa do seu lugar ritual centenário, impedimentos esses cessados oficialmente com o tombamento da Igreja do Rosário no ano de 1985 e, mais tarde, com o registro da festa enquanto Patrimônio Cultural Municipal no ano de 2008.

Naturalmente, com o passar dos tempos, os ritmos mudaram, surgiram os repiliques, que vieram das Escolas de Samba, um som mais agudo. Rubens assunção diz que, hoje em dia, não tem condição de chegar a um soldado (dançador) e entregar a ele uma caixa feita de corda, de combinação de corda, porque ele não vai querer sair com isso. Vai dizer diz que é feio. Agora com os repiliques, “tem grupo que a gente não sabe se está batendo tipo fanfarra, tem uns que a gente nem sabe o que está batendo”. Essas mudanças foram detectadas na década de 1980, conforme depoimentos obtidos por Márcia Junqueira, da Secretaria de Cultura, junto a um dos membros da Irmandade do Rosário, Rubens Assunção, em 1987.

Esse resumo foi para pensar na reflexão proposta no título do texto: o que Uberlândia e a festa da Congada possuem em comum? Ambas parecem padecer de uma necessidade de atualização constante, em um sentido progressista, modernizante, deixando, às vezes, em segundo plano certos aspectos do passado para se adequarem imediatamente aos reclames de um presente cuja aceleração de tempo não permitir sequer uma meditação mais aprofundada dos acontecimentos: é preciso mudar, preciso crescer, preciso transformar, distanciando-se, assim, rapidamente do passado que parece incomodar com sua presença “arcaica”.

Por esse viés, os grupos de congado de Uberlândia estabelecem táticas de sobrevivências culturais, união, resistência e permanência intergeracional fomentada por meio de uma contemporaneidade que movimenta uma rede de solidariedade entre os congadeiros, que recebem ajuda tímida do poder público para realizar anualmente a mais que centenária festa da Congada na cidade.

Tudo atualmente é estilizado, os rituais cronometrados, a riqueza das indumentárias de causar inveja a estilistas renomados, enfim, de certo modo, a festa da Congada, nesse contexto, caminha lado a lado com a noção de progresso, de avanço, defendida pela cultura desenvolvimentista da cidade, colocando-se, portanto, de igual modo, no centro de disputas pelos espaços públicos no hipercentro uberlandense.

(*) Historiador, doutorando em História Social pela UFU

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