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16/04/2024 às 08h00min - Atualizada em 16/04/2024 às 08h00min

De enfermeira a dona do hospital

ANTÔNIO PEREIRA
Guardando as devidas proporções, dona Paschoalina Vanni foi um Alexandrino Garcia de saias. Pode não ter acumulado a riqueza e o destaque empresarial do Comendador, mas trabalhou, puxa vida! Tanto o quanto o nosso velho e querido português.

Esmiuçando a vida do Comendador, vamos encontrá-lo fazendo limpeza no armazém do Aladim Bernardes, servente de pedreiro na construção do Colégio Estadual (“museu”) e da ponte sobre o Uberabinha, perto do Praia, mecânico, motorista, metalúrgico, o diabo a quatro. Já dona Paschoalina matou porco, fez banha, consertou sapatos, foi bordadeira e costureira, motorista, chacareira, o diabo a quatro também!

Mas o que pouca gente sabe, é que ela foi enfermeira. Italiana que veio para o Brasil, como quase todos os italianos daqueles velhos tempos, seu destino era a lavoura. Mas, antes de chegar a Uberabinha, já tinha trabalhado num açougue em Uberaba. Aqui, suas primeiras atividades foram na Casa de Saúde do dr. Diógenes Magalhães, ali no fim da avenida João Pinheiro. Era tão dedicada que gozava da admiração do médico. Lá um dia, o dr. Diógenes resolveu ir para um centro maior: Goiânia. Manteve, no entanto, a propriedade do prédio onde funcionara sua Casa de Saúde.

Ao despedir-se de dona Paschoalina, ela confessou-lhe um sonho – era de comprar aquele prédio ao que o médico sorrindo, sem desmerecer-lhe o sonho, respondeu:

- Paschoalina, esse prédio ainda vai ser seu!

Dona Paschoalina tomou outros rumos. Foi mexer com porcos num açougue que instalou na avenida Cesário Alvim. O prédio do dr. Diógenes também tomou outros rumos: virou hotel, o Hotel Guimarães.

A italiana “garrou no pesado” pra valer. Acordava de madrugada, ela mesma matava os porcos e picava o toucinho miudinho, miudinho e jogava naqueles tambores de duzentos litros que muito marmanjão não dava conta de mexer e ela ficava lá, suando em bicas, mexendo até a banha ficar branquinha. Ela e os filhos.

Fazia linguiças. E punha carnes e linguiças numa bacia, enrodilhava um pano, metia na cabeça, e lá ia até os confins da velha Uberabinha (que não eram tão longe quanto hoje) fazer as entregas.

De vez em quando, conversava com o dr. Diógenes e lembrava: se for vender, fala comigo primeiro.

Quando chegavam da roça os caminhões de porcos que ela comprava, antes de fechar o negócio, subia na roda do caminhão e ia separando: aquele lá, não quero. Seus porcos ficavam numa chácara perto do matadouro e na Estação do Giló.

Muitas vezes, ela mesma levava os animais num caminhão que comprara. Ela mesma dirigindo. A chácara ficava lá em baixo, na rua General Osório. Certa ocasião, perdeu o breque na descida e lá foi ela pulando na buraqueira da rua, desviando aqui e ali e o caminhão ganhando velocidade até que chegou lá em baixo. Por pouco não caiu no córrego São Pedro que era descoberto. Mas tudo não passou de um susto.

Seu marido, Francesco Vanni, logo depois do casamento, teve que voltar para a Itália para tratar-se de um incômodo pulmonar, talvez alguma resma da guerra de que ele participara em 1914. Ficou dez anos por lá, enquanto, por aqui, dona Paschoalina cuidava dos porcos e de sua fábrica de banha que mandava caminhões carregados para Mato Grosso e Goiás. Voltavam carregados de porcos. Ela mantinha o marido lá.

Quando Francesco voltou, sem jamais recuperar a saúde, apenas ajudava a esposa em coisas mais leves, como fazer entregas, replantar mudas etc.

Nos começos da década de 1960, o dr. Diógenes resolveu vender o prédio e não esqueceu do combinado. Dona Paschoalina, nesta época tinha condições tranquilas de comprar o imóvel. Como comprou.

Aliás, numa época oportuna; seus filhos estavam acabando os estudos de medicina em Uberaba. E foi assim que, de enfermeira, dona Paschoalina chegou a dona de Hospital. Do Hospital São Francisco que entregou aos filhos.  


*Este conteúdo é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.
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