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26/03/2024 às 08h00min - Atualizada em 26/03/2024 às 08h00min

O cemitério da Praça da Prefeitura

ANTÔNIO PEREIRA
Conta uma velha crônica que um cidadão voltava para casa tarde da noite, naquele tempo de lampiões a óleo de baleia que não iluminavam nada. Em frente ao cemitério que ficava na praça Clarimundo Carneiro, deparou com os restos mortais de um cachorro já nos ossos e no couro apenas. Talvez embriagado, deu um chute no cadáver do bicho e o bicho morto respondeu com umas latidas brabas. O cara, ó...

Esse cemitério tem casos.

Foi construído no fim do século XIX. O primeiro cemitério da cidade foi em torno da capela de N. S. do Carmo na praça Cícero Macedo. Foi ficando pequeno. Começaram a enterrar as crianças pagãs no largo em frente à capela onde havia um cruzeiro. Daí a pouco enterravam crianças e adultos. O vigário Dantas pediu ao frei Paulino, especialista em construção de cemitérios, que viesse construir um em Uberabinha. O frei veio e estimulou o povo a fazer isso. Os fazendeiros mandavam carros de boi cheios de pedras para o muro. O povo fazia mutirão. Fechada a necrópole, o frei foi embora.

Abrindo covas prévias para quem fosse morrendo, os coveiros encontraram um corpo intacto. Não era só o corpo, eram as roupas, os enfeites, os galões, tudo do jeitinho com que fora enterrado há anos. Era o corpo de dona Ernestina Machado da Silveira, que fora casada com Ernestino Ferreira. Mulher muito caridosa, tinha um esposo parcimonioso. Para distribuir roupas, alimentos e agasalhos à gente pobre, mandava o escravo Gaspar fazer as entregas escondido do senhor. Os coveiros, João José e Sérgio, fecharam o buraco e foram contar ao padre Pio que lhes recomendou sigilo absoluto. Iria relatar o fato ao bispo. Ninguém sabe se relatou e que providência o bispo tomou.

Em 1907, a Igreja vendeu para o município o espaço do cemitério. A Câmara começou a desmontar os muros e usar as pedras para outras obras. O jornal O Progresso caiu de pau na Câmara que destruía o muro sem dar satisfação ao povo que o construíra doando as pedras e a mão de obra. Também o jornal Paranahyba publicou reclamação dos Pereira dizendo que os túmulos de seus parentes foram destruídos sem que eles soubessem.     

Até 1910, ninguém jogava futebol em Uberabinha. O menino Avenir Gomes foi quem trouxe a primeira bola. Era aluno do Colégio Diocesano, em Uberaba, que foi por onde o futebol entrou no Triângulo.

Com essa bola, Avenir foi brincar num canto do cemitério onde havia espaço livre ainda. Não demorou para que se juntassem moleques dando bicudas na pelota pra qualquer lado. Aí nasceu o nosso futebol.

Lá pelos meados da segunda década, João Severiano Rodrigues da Cunha, agente executivo (1912 a 1922), resolveu transformar o velho cemitério, abandonado, propriedade do município, numa praça para o passeio público e construir o Paço Municipal. Muita gente reclamou pelo jornal, principalmente os Pereira, que eram adversários do Agente, que foram aos jornais reclamar que os túmulos dos seus ancestrais, construídos conforme as normas da Câmara, estavam sendo destruídos sem receberem qualquer satisfação. O Agente alegou que todos foram avisados por Edital publicado e continuou a transformação. É a praça que está lá até hoje.

Mais recentemente, era prefeito Paulo Ferolla e Secretária da Cultura, a professora Creusa Resende. Com a saída da Câmara Municipal para o Palácio, a Secretária, devidamente autorizada pelo prefeito, resolveu transformar o prédio da Câmara em Museu. Houve alterações na sua estrutura e, para isso, foi preciso furar o piso do prédio. Nesse trabalho, os operários acabaram esbarrando numa ossada humana. Pararam e foram contar ao engenheiro, dr. Occhiuci que, assustado, quis levar o caso às autoridades policiais. Um senhor idoso que estava por perto, interferiu na conversa, sossegando o engenheiro:

- O senhor não se preocupe com isso, não. Aqui já foi cemitério...


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