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08/03/2024 às 08h00min - Atualizada em 08/03/2024 às 08h00min

De vazios e afins

WILLIAM H STUTZ
Vazio e afins
Quarta vazia de palavras essa hoje.
Para ressaca de lexema, talvez lexotan dê jeito.
Assim durmo e não lembro de escrever. Mas me furtar do prazeroso unir de letras?
Injusto. Se durmo e não sonho? Nada a contar para mim mesmo.
Presunção se achar lido.
Crio então restaurante de letras. Cada um com seu pedido.

Poemas? Sim senhor, mas ao ponto por favor.
Crônica do cotidiano? Agradeço andam um tanto quanto indigestas.
Conto? Não conto, me falta tempo, quero algo mais breve, ligeiro.
Haikai? Torço o nariz. Nem de longe, oleosa e sem gosto. Oriental, não me acostumo com o jeito. Falta música, vento e cheiro de terra.
Prosa? Claro, mas a sua. Puxe uma cadeira vamos falar de uma quarta vazia de palavras como essa.

Ode à desilusão

Quanto rancor, ódio ou desdém
o que te afasta tão repentinamente assim
se mal não fiz, posto que também nenhum bem
serão lembranças assim tão torpes de mim?

Quanto desdém, rancor ou ódio insano
Minh ‘alma lamenta em prantos tal distância, tamanha displicência
qual teria sido o terrível engano
carrega assim a há tanto, vem assim de tão longe de remota e tenra adolescência?

Quanto ódio, desdém ou rancor
meu coração mesmo assim em serena paz descansa
sentimento por ti carinho, só amor
será que ainda resta no fundo ainda alguma cálida esperança?

Rancor, ódio ou desdém?
nenhum destes tão pequenos sentimentos a tão bela figura convém.

Desisto

Desisto, entrego os pontos. Não escrevo mais amenidades, crônicas do cotidiano onde buscava sempre o belo, o engraçado, o entretenimento. O alegrar, o arrancar risada, mas sempre levando a alguma reflexão sobre o passar das horas da vida de quem por acaso as lia. Pelo visto, sentido e observado, não anda fazendo bem ser bem-humorado e tentar dividir observações, digamos, inúteis.

Àqueles que muitas e muitas vezes me escreveram, telefonaram ou quando me encontravam, sorrindo compartilhavam alegres de minha forma de registrar a história, peço desculpas. Aos resolvidos, sem perderem a lucidez, o senso crítico e sensibilidade, peço penico, me rendo.

Acho que chegou a hora de, como o quibe, me tornar ácido. Joguei o chapéu, a toalha e o boné. Parei de brincar. Estou de “altas”. Termo é de minha infância em Belo Horizonte. Pedir “altas” era solicitar para dar uma paradinha no pique-pega, na queimada, na bentialtas, esse um quase bete daqui, só que com casinha de vareta e bola de meia. Nada de taco e bola de tênis, a versão tupiniquim do beisebol.

As pessoas andam ávidas por más notícias, por tragédias, por tristezas. Escondem ou descontam nos acontecimentos o seu próprio sofrer, sua própria indignação e revolta com o que a vida anda a lhes oferecer. Uma forma de compensação, vingança ou triunfo sobre suas existências. Ninguém mais quer rir de si mesmo, nem buscar nas paisagens de seu cotidiano o céu azul, o ipê florido ou a criança sorrindo inocente. É mais fácil e confortante/compensador ver o funesto, o triste.

Acompanhar as estatísticas dos acidentes e mortes nas estradas em decorrência dos fins de semana prolongados, a contagem de crimes violentos, os assassinatos em nossos bairros, à nossa porta. Ninguém quer mais o próprio sofrimento e angústias, preferem a dor e o desconforto alheio.

Mas, mesmo assim, ainda me espanto. Um pouco precocemente as festas de fim de ano já se anunciam, e assim, em breve, bem hipocritamente, todos passam a se fazer de felizes e desejar tudo de bom ao próximo. Falsa felicidade, placebo para angústias das vidas. Não se iludam, passado o Réveillon, com o chegar das contas e faturas do cartão de crédito, usado na euforia de um comprar ser feliz, as faces novamente se fecham e novamente passamos a concentrar nossas atenções nas más notícias sazonais. Pois aberta estará a temporada de dengue, enchentes, quedas de barreiras, troca de presentes defeituosos, intoxicações alimentares.

É isso, estou de altas. Pode ser que volte ao normal. Mas hoje não estou para festa de debutante.
Afinal, como disse o caipira mineiro da velha piada, quando perguntado se gostava de nudez: Uai, é claro que gosto! "Nudeis” é melhor do que nosso uai. ”

Até mais ver. Volto a qualquer momento em edição extraordinária, caso avião caia na mata, ou no bairro da periferia acontecer outro acerto de contas entre traficantes ou mais, um político corrupto for filmado recebendo suborno. Ou, quem sabe, um laboratório farmacêutico superfature medicamentos para o SUS, um gato coma carne em açougue de supermercado que adultera data de validade de tortas de camarão ou, ainda, a nova gripe venha fazer novas vítimas. E morreu Levy-Strauss.

Plagio o poeta em seu "Dia da Criação": E hoje não é sábado. Nenhuma mulher virou homem, mas há uma tensão inusitada. Nenhum sedutor tombou morto. E mesmo havendo um renovar-se de esperanças, eu me torno, só hoje, em um grande espírito de porco.



*Este conteúdo é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.


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