Diário de Uberlândia | jornal impresso e online Publicidade 1140x90
30/01/2024 às 08h00min - Atualizada em 30/01/2024 às 08h00min

Festas tradicionais do Patrimônio

ANTÔNIO PEREIRA
O bairro mais antigo da cidade, o Patrimônio, sempre foi o mais abandonado, talvez por abrigar só pretos e pobres. As suas ruas foram as últimas a serem calçadas e iluminadas, mas, naquele pequeno e distanciado pedaço da cidade, muita coisa da cultura popular se fixou, como os moçambiques, as artes primitivas, folias de reis, escola de samba e um time futebol amador, o Guarany, quer, não por acaso, é o mais antigo de Uberlândia. Uma festa curiosa que lá se realizava na véspera do dia de Santa Luzia, era a “Mesa dos Inocentes” em cumprimento a vários votos feitos durante o ano. Consistia na oferta de guloseimas, salgadinhos e guaranás à criançada. Quase todas as famílias da rua General Osório organizavam dessas “mesas”. 

As famílias se reuniam, rezavam o terço, depois subiam a rua, de casa em casa, levando os meninos para os lanches. Era dia de muito moleque ter “desando”. No mês de junho, os três santos, Antônio, João e Pedro, recebiam o ardor das preces do povo do bairro. Nada de especial. Eram festas como todas as outras de todo lugar: erguiam o mastro, soltavam foguetes e balões e rezavam muito.

As festas de Natal reuniam a criançada na capelinha de Nossa Senhora da Abadia (hoje, do Parto). Lá em baixo, mais ou menos defronte ao velho Matadouro, que tanto emprego deu à gente dali, havia um campo aberto com altas mangueiras de largas copas. Era lugar de muitas festas que reuniam toda a comunidade. Era o Dia das Mães, as esticadas comemorações das vitórias do Guarany e da Tabajara. As duas instituições mais antigas do município em sua especialidade. E tome churrasco, cerveja e muita música. 

A festa mais característica do bairro, entretanto, acabou. Violenta tempestade marcou o seu fim. Foi uma noite terrível. A chuvarada parecia que ia carregar as velhas casinhas na enxurrada. Eram meninos chorando, rezas prolongadas à luz de velas e os coriscos trincando o céu negro a cada instante. Pela madrugada a natureza sossegou, mas um dos raios já tinha partido o cruzeiro do Alto da Abadia e espalhado suas lascas pelo chão. Pela manhã, os trabalhadores do matadouro e da charqueada espantados viam o topo do morro desprotegido daquele símbolo do pobre e esquecido bairro.

Embora de negros, o Patrimônio sempre foi católico. Só nos últimos anos é que chegaram os espíritas, umbandistas e crentes. Os antigos moradores trabalhavam em chácaras, fazendas, no matadouro municipal e na charqueada Omega. Dependiam muito das chuvas. Quando elas demoravam, que a estiagem prolongava, faziam uma procissão de esperanças rumo ao velho cruzeiro, além das penitências domésticas. Era procissão do bairro, mas que atraía gente de toda a cidade. 

O pessoal do Patrimônio ia descalço, inclusive a criançada. Carregavam andores, pedras na cabeça, garrafas e latas d’água. Cada vez, a procissão saia de uma casa onde antes se rezava o terço pedindo chuva. Depois subiam a rua General Osório até chegar ao topo do morro. Era procissão sem padre, nem freira. Quem puxava as orações era dona Izabel. O cruzeiro ficava ao lado da casa de dona Rosária. O pessoal chegava depositava as pedras ao pé do madeiro e despejava a água. Todos de frente, ajoelhados ou não, rezavam mais um terço. Depois voltavam para casa esperando a chuva que não faltava. Mas a festa mais curiosa acontecia no dia de São Lázaro. Muita gente, cumprindo votos e promessas, reunia a cachorrada vadia do bairro nos fundos dos quintais e oferecia-lhe um farto banquete.


Fontes: Almirzinho do Patrimônio e antigos moradores.



*Este conteúdo é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.
Leia Também »
Comentários »
Diário de Uberlândia | jornal impresso e online Publicidade 1140x90