Diário de Uberlândia | jornal impresso e online Publicidade 1140x90
05/01/2024 às 08h00min - Atualizada em 05/01/2024 às 08h00min

A maravilhosa história do nada

WILLIAM H STUTZ
“Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.”

Álvaro de Campos
Pessoa, F. Poemas Escolhidos de Álvaro de Campos. Lisboa: Assírio & Alvim. 2013
Nota: Trecho do poema "Tabacaria"


Semana passada tive imensa satisfação de receber em visita um grande amigo. Aposentado, ele e a esposa optaram por uma vida de liberdade e desapego às coisas materiais. 

Largaram tudo e, em aposentadoria diria eu precoce, pois perde muito a medicina, ambos médicos do melhor quilate e, em motorhome, ganharam o mundo em aventuras que sigo pelas redes. Os relatos que devoro em prazer como uma verdadeira história sem fim são hilários e poéticos

Lugares, paisagens, pessoas. Estes registros, pelo menos uma pequena parte, ele faz a gentileza de compartilhar conosco através de suas narrativas.

Conversas aos turbilhões a pôr em dia. Recordou de uma pergunta que lhe fizeram e que fazem a mim cotidianamente: "como é não fazer nada!?"

Pergunta irritante e vem geralmente de gente que não sabe o que o prazer de viver, o prazer de sentir cada dia que passa.
Como não fazer nada????
Pois tá então, vocês não podem imaginar quanto fizemos e continuamos a fazer!
O nada é um fazer sem fim, só que prazeroso. 

Mas você acorda de manhã e faz o quê?
Uai respondo, faço o nada! Sem tarefas, sem horários, sem agenda! 
E olha tenho os dias cheios de um fantástico nada a fazer que me completa.
Vivo uma felicidade plena e repleta de nada.

"Ah não se fosse comigo, morria de tédio" diz um.
Você sim, respondo, que nunca entendeu o quão rico é o nada fazer ou simplesmente o nada.
A obrigação de estar sempre fazendo algo é, para mim, um castigo. 
Passamos quase toda nossa vida a fazer, fazer, fazer para um dia fazer o quê? O nada.
Não tenho depressão pelo nada como tinha pelo fazer sem tesão.

Trabalhei décadas feliz e concentrado. Apaixonado pelo meu fazer, corpo e alma imbuídos em produzir o máximo, de criar e ver acontecer. A beleza da realização em prol das gentes as quais servia. Servidor Público com muito orgulho e paixão sim senhor, sim senhora! 

Uma pena, mas posso dizer que os poucos últimos anos foram um desastre. Pessoas inescrupulosas, descendentes do rancor e inveja e inimigos do bem fazer me assediaram de uma maneira horrível. Sobraram umas poucas daquele ambiente com as quais tenho o imenso prazer de compartilhar o meu nada fazer. Riquíssimo em risadas e boas conversas toda vez que encontramos, festa.

Estas entendem meu nada e certamente a de meu especial casal amigo.

Chegar a este estado onde o ócio produtivo te completa é pra poucos. 
Aqui deixo um paradoxo, citado ócio produtivo não tem nada com meu incansável nada fazer. Talvez apenas talvez, se aproxime do ócio de Aristóteles, o ócio filosófico.

Para ele, Aristóteles, “o ócio não era algo que permitia ao homem continuar trabalhando, mas sim um fim em si mesmo (daí seu caráter autotélico. Explicando segundo o léxico, ou seja: “que não apresenta qualquer finalidade ou objetivo fora ou para além de si mesmo (por exemplo, a arte pela arte), o que remeteria à meta e à causa de uma vida feliz. Isso faz do ócio um âmbito de autonomia, aqui diferenciado do trabalho e do jogo, inclusive.”

Morro de pena daqueles que cantaram vitória ao me empurrarem ao nada fazer. E ao mesmo tempo os agradeço terem me feito descobrir uma vida verdadeiramente prazerosa. Aqueles jamais serão pessoas completas e sempre, o resto de suas vidas, passarão andar olhando por sobre os ombros em eterno sobressalto. É preço, fazer o quê.

Quanto a mim, por favor me deem licença por alguns momentos pois tenho muito nada a fazer.

Até breve!


*Este conteúdo é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.

 
Leia Também »
Comentários »
Diário de Uberlândia | jornal impresso e online Publicidade 1140x90