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15/12/2023 às 08h00min - Atualizada em 15/12/2023 às 08h00min

Criança

WILLIAM H STUTZ
Mato todo dia um pouco da criança que existe dentro de mim. Mato esta criança toda vez que leio um jornal, que vejo televisão ou que leio um livro ruim, toda vez que praguejo; mato esta criança sempre que vejo alguém maltratar um velho, um bicho, uma planta, um a criança... Mato esta criança sempre que ouço/recebo/devolvo ofensas, rancores, maus humores, maus amores. Mato esta criança toda vez que penso em pessoas tristes, sozinhas, amargas, egoístas, gratuitamente agressivas. Mato esta criança quando na rua vejo a miséria de nosso povo, a violência espontânea, a fome, a doença e falta de esperança. Mato esta criança quando tenho que escrever sobre guerras, doenças, morte, catástrofes, traições, subornos. Mas sei que, se mato esta criança todo dia, a cada destes mesmos dias esta mesma criança renasce dentro mim sorridente, iluminada, suja de terra, pés descalços – soltando papagaio, face rosada, cheiro de jabuticaba e manga furtada me dizendo que devo acreditar na vida e eu encantado com sua ternura me rendo, reconsidero e esperançoso sigo adiante. A criança que trago aqui dentro é uma lagarta peluda e venenosa, mas que todo dia se transforma na mais linda borboleta do universo e me acalenta.

Ausência 
Longe espero e reflito, vejo céu de baixas nuvens a sangrar; Busco concentrar na armadilha que estou armando - sou caçador de cores. Minha tela já repleta de falsas imagens parece pairar no silêncio da colina. Chove. As frescas tintas escorrem como enxurradas lamacentas. A mistura criou vida. Um sopro divino sobre minha armadilha esteve. Não sinto mais tanto a sua falta. Sou caçador de cores.

Minas (para Milton Nascimento) 
Um pouco das Minas, das esquinas, dos clubes dos bares, das montanhas sem mares; dos horizontes, das fontes, cachoeiras imensas, geladas; das águas paradas de lagos piscosos, dos rios murmurantes serpenteantes, das Gerais, das terras altas, das veredas estreitas, tortuosas das gentes alegres, às vezes um tanto belicosas, das broas de fubá, da cozinha no quintal, do fogão de lenha da comida deliciosa Dos sons imaginários De novas estrelas, De cenouras em feiras modernas, Dos mil tons tão lindamente festejados, dos anjos, a voz.

Cena urbana
Afundado em lúgubres pensamentos, encostado em poste de ponto de ônibus, acompanhava por ali estar, sem a menor paciência, conversa daquelas senhoras. Esconjuravam mundos e fundos.
Além do mau humor da conversa sem beira nem eira, exalavam horrível cheiro de naftalina. Sentiu náuseas. Sua mão no bolso apalpava a faca. Zagaia urbana, instrumento de trabalho em urbe sem alma que o alijava, sempre.
Sorriu amargo e de ombros olhou as senhoras daquela prosa mole. Olhar de bicho. Como predador que avalia sua presa, sabia que ali estava a féria do dia. Relaxou em estranho prazer.

Boas novas
Dias lindos não merecem acontecer segunda-feira. Sábado ou feriado, isso sim.
Acordei cedo com sol e sabiás melódicos em minhas pitangueiras carregadas, verde puro cravejado de vermelhas-doces joias.
De meu jambolão gigantesco bando de coloridos tucanos me dão bom dia. Sanhaços azul turquesa aos pares em incomum canto matinal.
A vida é bela, não basta olhar, temos que respirar os dias.
Decreto, pois, que toda segunda-feira de sol brilhante seja vivido como feriado. Revoguem-se as disposições e os calendários em contrário.
Alvíssaras pela criação de uma nova semana repleta de fins-de-semanas.
E Ele descansou no sétimo dias, e nós ... um pouco mais



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