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02/12/2023 às 08h00min - Atualizada em 02/12/2023 às 08h00min

Domingo é o dia da pessoa singular. Viva!

SE MANCA!, por Igor Castanheira

SE MANCA!, por Igor Castanheira

O jornalista Igor Castanheira traz seu olhar sobre temas relacionados a inclusão e acessibilidade.

IGOR CASTANHEIRA
Quando nascemos
Somos motivo de alegria
Quando descobrem a nossa singularidade
Somos motivo de preocupação
A felicidade genuína perde espaço 
E um medo desconhecido
atinge a todos ao nosso redor.

Não devemos nos sentir culpados
Tampouco culpar alguém
Seria muito fácil e doloroso
A nossa chegada muda tudo.

Minha família e eu estávamos descobrindo um novo mundo
Eu puro, ingênuo e com amor
Querendo conhecer essa imensidão 
Tão pequena.

Minha Família
Já contaminada com esse mundo doente
Me carregava com medos e incertezas
Com o estigma de uma doença
O sofrimento foi enorme
Era preciso um tratamento aqui, outro ali
Tinha que me curar
Ou, ao menos, me adaptar ao mundo.

Entre fisioterapias, psicólogos, fonoaudiólogos
E a procura de um tratamento ideal
Muitos desencontros e várias negativas
As dúvidas aumentavam
As alternativas eram escassas
E o conhecimento era limitado

Em meio a tantas tristezas
Cada pequena conquista era celebrada
Como a vitória de uma Copa do Mundo
Era preciso encontrar pessoas que enfrentassem esse desafio
Como me desenvolver? O que fazer? Quem procurar?

Sem conexão 
Mas com muita vontade
Lá fomos nós
Derrubando muros
A minha família
Acumulando cicatrizes
Eu me notando 
Cada vez mais esquisito
No entanto
Na base da tentativa e erro
Fomos nos encaixando
Encontrando anjos valentes
Que resolveram aprender e se descobrir com a minha realidade.

Em um universo novo para todos
Eu e a minha singularidade
Fomos crescendo
Encontrei algumas “tias e tios” no caminho
Na fisioterapia, na natação, no consultório, na escola
Pessoas que estiveram ou estão comigo até hoje.

Poxa, olha pra trás 
E digo
Vocês que são guerreiros
Me abraçaram 
Estudaram
Brigaram
Erraram
E acertaram 
Muito obrigado!

Não foi fácil!
Muito menos barato
Cirurgias, tratamentos
Muita pesquisa
E milhares de conexões
Trouxeram-me até aqui.

Minha família ainda carrega as marcas
Suporta as dores
E não esconde o medo do futuro
Sempre incerto.

Nessa caminhada
Aprendi a ter medo do mundo
Apequenei meus sonhos
Prendi os meus desejos
Me acostumei com a piedade.

Assim como todos
E as suas singularidades
Consegui me adaptar
Me transformar
Por alguns instantes
Ser aceito.

Aceitei o meu “problema”
Desvalorizei-me
O espelho não me agradava
Pronto!
Estava tudo certo
Já me enxergava
Como o mundo
Quis me ver.

As imperfeições humanas
As dores do mundo
Provocaram-me imensas angústias.

Eu tinha certeza
A sociedade não queria me conhecer
Isso é histórico!

Ela demorou milhares de anos para se estruturar
Já com os seus dogmas, seus medos, seus mitos e fantasias
Ela e sua utópica e cruel 
Busca por igualdade
Construiu padrões 
Estabeleceu preconceitos
E mesmo com tantos defeitos
Me excluía. 

Por me faltar algo 
Que alguns julgavam 
Qualidades imprescindíveis
Ou por não ter conhecimento e medo
Descartavam-me
Literalmente.

Morria sem viver
Agora
há menos de 50 anos
Por conta de alguns 
Com status social
Poder econômico e político
Que sensibilizam com causa
Seja por qual motivo for
Resolveram gritar por muitos
Que sofrem ou sofreram
Mas ninguém os ouvia, enxergava e acompanhava

Essas vozes 
São de grande valia
Afinal, elas significam milhões.

Porém, estamos no início desse processo
Ainda estamos abrindo espaço
Buscando apenas por aceitação
Tentando nos encaixar em um mundo
Que nos rotula como deficientes.
Nós concordamos e seguimos
Lutando.

Cada um a seu modo
Todos querem se encontrar
Ter o seu lugar
Mas será que isso basta?
Será que não estamos querendo pouco?
Por que gostaríamos tanto de ser iguais a todo mundo?
Se esse mundo não é pra nós.

Por que não viramos o jogo?
Por que não mostramos que esse mundo pode ser diferente?
Por que fazemos questão de estar no mundo em que todos sofrem?

Nós somos vistos diferentes
Somos tratados de forma diferente
Temos o desenvolvimento diferente
E não nos encaixamos nos padrões
Por que isso é ruim?

Se pararmos com essa busca pela igualdade
Se compreendermos que não precisamos alimentar a competitividade
Se aprendermos a sorrir 
Venceremos o medo.

Nós podemos pedir ajuda
Não temos necessidade de construir impérios ou manter patrimônios
Não precisamos ser ambiciosos
Por que isso é dito como algo ruim?

Por outro lado
Por conta da nossa condição
E de como encaramos ela
Temos mais facilidade de
Despertar a humanidade das pessoas
Gerar empatia
Provocar reflexões
Gerar transformações
Isso é maravilhoso!

O mundo precisa parar
E refletir
Até que ponto tenho que ser competitivo?
Quais os valores que me pertencem?
O que estou plantando?
Minha caminhada está valendo a pena?

Nós queremos ser amados
Depende de nós. 
Afinal, alguns dos rótulos que nos colocam agora
Vão pertencer a eles amanhã

No dia da pessoa singular
Celebro a minha condição
Deixo-me levar por um sonho
Digo não aos rótulos
Continuo sorrindo
Muitas vezes choro
Mas persisto
Amando a humanidade
Agradecendo pela vida
E as suas singularidades.

Descubra a suas 
Seja feliz!


*Este conteúdo é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.
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