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07/11/2023 às 08h00min - Atualizada em 07/11/2023 às 08h00min

O primeiro casamento civil do país

ANTÔNIO PEREIRA
É quase certo que tenha ocorrido em Uberabinha.

O rábula José Teixeira de Sant’Anna, que foi o nosso quarto Agente Executivo, de 1901 a 1903, estava a se casar com Francisca Augusta da Fonseca e tinha preparado regularmente os papéis. Ao apresentá-los ao padre João da Cruz Dantas Barbosa, este, reconhecendo um parentesco de terceiro grau entre os nubentes, exigiu determinadas penitências com as quais o noivo não concordou. É preciso que se diga que Teixeira era católico e já havia, até, composto música sacra.

Pretendiam os noivos, entretanto, casarem-se conforme a tradição e tentaram por todos os meios demover o pároco de sua exigência. Embalde. Nem amigos, nem parentes, nem políticos mudaram-lhe a opinião.

Diante da intransigência do padre, Teixeira resolveu endurecer também e ameaçou não se casar na Igreja.

A situação jurídica do casamento por essa época era a seguinte: o Império já havia instituído, através do Decreto nº 9886, de 7 de março de 1888, o Registro Civil de Nascimentos, Casamentos e Óbitos. Até então, o casamento era celebrado pelo sacerdote católico que fazia o registro do mesmo num livro apropriado da Igreja. Casamento e registro feitos pela Igreja tinham valores civis. Com a criação do Registro Civil, em 1888, o sacerdote continuou realizando o casamento, porém o registro válido passou a ser o do Cartório, feito mediante a apresentação de uma certidão do padre de que havia realizado a união dos nubentes. Deu para entender? Confirmando: com a criação do Registro Civil, o registro feito no livro da Igreja perdeu o valor, porém o casamento continuou a ser feito pelo sacerdote. Um ato religioso com efeitos civis. O Cartório só registrava. O casamento que valia continuava a ser o do padre, mas o registro que valia era o do Cartório.

Com a Proclamação da República, a 15 de novembro de 1889, apressou-se a separação entre a Igreja e o Estado.

Voltando ao caso do Teixeira e Francisca, ante as firmezas do padre e do noivo e a expectativa da secularização total dos atos da administração pública, a pequena cidade viveu momentos de tensão.

Do púlpito, o padre João atacava a esperada instituição do casamento civil dizendo que era a prostituição oficializada.

Sem a trincheira bem montada do padre, Teixeira alegava perante amigos e parentes que se casaria sem as bênçãos da Igreja se o padre insistisse nas exigências.

Insistindo o pároco, Teixeira foi à matriz levando testemunhas a tiracolo e perguntou ao padre João se os documentos exigidos pela nova legislação civil estavam corretos. Confirmado que sim, pediu-lhe, ainda uma vez, que realizasse as bodas. Diante da negativa, recolheu os papéis e foi tratar do assunto com o Juiz Municipal que aceitou suas alegações principalmente porque as exigências documentais já estavam delineadas na Lei e nela não constavam penitências por parentesco de terceiro grau. A papelada legal estava toda pronta. Só que ainda não havia Casamento Civil. Havia, apenas, o Registro Civil.

Mesmo assim, casaram-se no edifício da Câmara em cerimônia realizada pelo terceiro Juiz Municipal Substituto, José da Silva Diniz, os noivos José Teixeira de Sant’Anna e Francisca Augusta da Fonseca, no dia 14 de janeiro de 1890. Sintomático o casamento não ter sido realizado nem pelo Juiz de ofício, nem pelo primeiro, nem pelo segundo Substituto.

Na missa, o padre João acusou o Ato de ser inválido, desrespeitoso e imoral.

Foram testemunhas José Joaquim Coelho e José Theóphilo Carneiro. Da certidão consta que o ato foi “celebrado com caráter civil unicamente pelo fato de não poderem os nubentes efetuarem a penitência que lhes foi imposta pelo 3º grau de parentesco em linhas desiguais...”

Enfim, no dia 24 de janeiro de 1890 foi instituído o Casamento Civil com vigor estabelecido para 24 de maio, mas, nestas alturas, Teixeira e Francisca já estavam passeando, em lua-de-mel. Ele tinha 39 anos de idade e ela 15. O casamento dos dois havia sido realizado civilmente dez dias antes da instituição do Casamento Civil e quatro meses antes da sua entrada em vigor.

Sem dúvida um pioneirismo infelizmente esquecido pela cidade.

No seu retorno a Uberabinha, o casal passou por Uberaba, onde o rábula Teixeira visitou seu antigo patrão, o famoso advogado e historiador Borges Sampaio a quem pediu um Parecer sobre a validade do seu casamento.

No seu retorno, Teixeira reuniu amigos e familiares numa festa em que leu o Parecer, mais para dar uma satisfação moral à comunidade e provar que seu casamento era legal e sério.

A essa altura, o padre João já tinha entregue a alma ao Criador. Falecera na Bagagem a 19 de fevereiro.
 
Fontes: Dr. Longino Teixeira, legislação da época e certidões do Cartório do Registro Civil



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