Diário de Uberlândia | jornal impresso e online Publicidade 1140x90
29/09/2023 às 08h00min - Atualizada em 29/09/2023 às 08h00min

Tempo do onça (Parte II)

WILLIAM H STUTZ
Chegando mais para o meu tempo, eu lá colocaria a maravilha da matemática da época, a Régua de Calcular, os fantásticos livros de Biologia, o imbatível Biological Science Curriculum Studies ou simplesmente BSCS, que segundo alguns estudiosos em educação não colou por nossas terras pois as escolas e professores não estavam preparados para tanta informação e experimentos. Será que hoje nossas escolas públicas estariam? Tenho minhas dúvidas. Além, é claro, do Zoologia Geral do Storer, com sua capa verde onde aparecia as fases de ovo,a fase pisciforme, e adulta dos batráquios, ou simplesmente, a metamorfose girinos se tornando sapos,  aos quais credito a paixão levada ao extremo anos depois à Veterinária e Biologia. Confesso, e que meus filhos não me ouçam, que era péssimo aluno. Me distraia com qualquer mosquito visitante ou sorrateira taruíra a se esconder nas sombras da bandeira do Brasil, toda sala obrigatoriamente tinha uma. Já as capas e ilustrações dos livros me fascinavam, inventava histórias sobre eles nos quais eu sempre era personagem de destaque, um mundo particular, onde eu era bem tratado e feliz. Agora o conteúdo, este me dava um sono adolescente. Era começar a estudar e lá estava eu nos braços de Morfeu em profundo dormir, a sonhar com aventuras nascidas nas capas dos livros, sempre era acordado por um berro de professor ou um cascudo, e o mundo voltava a ser à feiúra de sempre, pelo menos durante as aulas. 

Aponto aqui algumas exceções: as aulas de história, geografia e português, além de ciências e depois biologia, me prendiam como a velha e boa goma arábica, não desgrudava os olhos.  
 
Havia também a lapiseira da antiga Tchecoslováquia, motivo de cobiça e inveja, as amarelas Toison d´or e as canetas Cross prateadas. E é claro, a pasta tipo colecionador com suas quatro garras de metal cromado, que abastecíamos com folhas que já vinham furadas. 

Tudo brotou e frutificou por conta da mensagem de Ézio de Iracy. Lá em Belo Horizonte naquele tempo era assim, todo mundo era de alguém, era um como se fosse sobrenome alternativo. Aqui em Uberlândia descobri o “filho de quem”: mas fulano é filho de quem mesmo?”

Mais fortes lembranças do grupo, do ginásio, do científico pulularam em meus pensamentos. O aroma da merenda a qual raramente podia provar, pois no grupo, minha turma foi cobaia de um experimento educacional do Programa de Assistência Brasileiro-Americana ao Ensino Elementar PABAEE, talvez por ser cidadão norte americano não por nascido, mas por possuir dupla nacionalidade. Tudo nosso era diferente das outras crianças do Instituto de Educação de Belo Horizonte. Por essa razão carrego nas lembranças novos cheiros a acrescentar: lápis cera ou Crayon, o pincel atômico, massa de modelar, lápis com borracha na parte superior, e até merenda em lata onde sempre me chamou a atenção as mãos se cumprimentando, uma com a bandeira do Brasil outra com a dos EUA. Coisas da Aliança para o Progresso. Se deu certo? Não tenho a menor ideia do plano desses caras.

Muita coisa dançou em rodopios por minha cabeça depois dessa mensagem do amigo. Bonde, Feira de Amostras, óleo de fígado de bacalhau, catecismos do Carlos Séfiro, Bente Altas que aqui virou Beti. Deixa-me explicar: nosso Bente Altas é bem mais simples e nacional. Reza a história que os índios Maxacalis já jogavam como nós, ou nós como eles seria o mais correto: O Bente Altas é jogado entre duas duplas, que tiram sortes para decidirem quem ataca e quem defende. Cada jogador da dupla inicialmente escolhida como defensora se posta ao lado de uma das casinhas - colocadas à distância de doze passos, uma diante da outra. Sempre mantendo um dos pés sobre a pá, protegem a sua respectiva casinha com o outro pé, chutando a bola de meia atirada por seu adversário do lado oposto. Caso a bola atinja a casinha, derrubando-a, as duplas invertem as posições de atacantes e defensores. Mas caso a bola seja chutada para longe, os dois defensores fazem tantos pontos quantas vezes trocarem de posição correndo entre uma base e outra. Enquanto isso, seus oponentes devem correr atrás da bola, recuperá-la e lançar sobre uma das casinhas, desde, porém, que seu defensor esteja ausente da respectiva pá. Durante a partida, se um dos defensores desejar se afastar da pá momentaneamente, só deve fazê-lo recitando a fórmula "Bente Altas, licença para um"! Se não tomar essa precaução, seu oponente pode derrubar a casinha, com a bola, se tiver posse dela, ou com os pés, se não tiver. Se ambos desejarem se afastar, a fórmula será "Bente Altas, licença para dois"! O jogo termina quando uma das duplas atinge o número de pontos previamente pactuado, geralmente dez ou vinte por partida, ou então quando um dos atacantes tiver a sorte de apanhar no ar a bola que tenha sido chutada por um defensor. Nesse caso o atacante grita "vitória!", abraça-se com seu parceiro e comemora a antecipação do resultado.” Esta descrição copiei do Wikipédia e me poupou um tempão, e olha que o desconhecido autor sabe mesmo as regras, e deve ser da capital das Minas, quer apostar? Já o Beti como conheci em Uberlândia mais parece um primo pobre do Beisball americano. Usa-se taco e bola de tênis. Perdoem-me, mas acho o nosso mais divertido

Outras coisas que brotaram em minha mente como erva-de-passarinho em pomar formado: Guarapan, bolinho de feijão, bola de gude, finca, crush em garrafa escura, soda cáustica escondida debaixo da pia, matar aula no cine Pathé, um perfume que não lembro o nome mas a namoradinha, dessa bem me lembro. Ah, as montanhas, sempre as montanhas.

Não que estejamos ficando velhos, mas o tempo do onça merece explicação. Seguindo Mário Prata, em seu “Será o Benedito”: "Onça era o apelido do Marquês de Pombal, que reconstruiu Lisboa depois do avassalador terremoto de 1755. Muita gente morreu e os portugueses evitaram tocar no assunto por muitos anos. Quando alguém lembrava a catástrofe, logo alguém mudava de assunto: "Isso é do tempo do Onça".

Repito caro amigo: Não estamos envelhecendo de forma alguma, é o danado do tempo que teima em não parar de passar, mas isso é inevitável e, devemos mesmo é fazer do tempo um companheiro agradável de caminhada.

Obrigado meu amigo. Valeu mano, valeu muito.  



*Este conteúdo é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.
Leia Também »
Comentários »
Diário de Uberlândia | jornal impresso e online Publicidade 1140x90