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15/09/2023 às 08h00min - Atualizada em 15/09/2023 às 08h00min

Semanas vazias

WILLIAM H STUTZ
Bom dia, boa tarde, boa noite! Ao dizer isto, levo em conta que não sei a que horas desta sexta ou qual dia da semana serei visitado, se for. Os jornais em suas versões eletrônicas têm disso, você não se sabe lido. É angustiante algumas vezes, pois não acredito que qualquer um que se aventura a tocar letras e formar pensamento, em sã consciência, não guarda no íntimo a vontade de trocar ideias, de ser contestado, de se fazer ouvido e ouvir. Outra, o leitor digital não tem o hábito de comentar o que aparece na sua tela. Talvez por preguiça, pouco caso ou um talvez qualquer. Há duas semanas não apareço aqui. Feriados de quinta derrubam o jornal da sexta. Para quem gosta de nele se expressar fica um vazio engraçado, como se faltasse alguma coisa na semana. Torço o pescoço como se um mal jeito me incomodasse. Tamborilo mesas e joelhos, uma coceira na orelha, fica um vazio, ficam semanas vazias e olha que assunto não faltou em todos os cantos. Uberlândia chega como uma velha jovem de 135 anos. Jovem se comparada às vilas imperiais, com seu barroco arquitetônico magnífico, legado dos conquistadores. Velha, pois grande parte da visão de mundo de sua gente parou no tempo. Finge-se progressista, mas derruba cada área verde que pode gerar lucro. Finge-se moderna, mas eterniza hábitos e posturas medievais quando se trata de relacionamentos e bens materiais. Oculto mas não imperceptível, estão presentes abominável vestígios um racismo estrutural: “Depois de mais de um século, ficou enraizado no inconsciente coletivo da sociedade brasileira um pensamento que marginaliza as pessoas negras, as impede de se constituírem como cidadãs plenas.” (Maria Teresa Ferreira – Momunes em Brasil de Direitos https://brasildedireitos.org.br/ Aqui não terra mais do é mais o “filho de quem”, mas do poder do dinheiro que divide ainda mais e às claras as classes sociais. Escuto volta e meia: “esse cara é rico pra caramba”, “sabe como fez fortuna”?  Aí enveredam com sorrisos sarcásticos e horas de fofocas e o mel ácido da inveja escorre pelas mesas de bares, pelo chão dos clubes, pelas esquinas e lanchas apoitadas nos resorts sertanejos que nos cercam. Esta é a hora em que saio de esgueiro. Chamo de conversa ruim. Destas quero léguas. 

Por favor, não estou generalizando total. Existem centenas de ilhas de beleza e paz absoluta, redutos onde, de maneira resiliente pessoas se encontram agrupam e compartilham a maravilha de uma vida sem barreiras de qualquer espécie, onde o respeito pelas diferenças existe de verdade e mais, naturalmente. Cito Brasil de direitos mais uma vez e o racismo, mas para me referir a todos os preconceitos incrustados na alma de tantos: “Na construção da sociedade brasileira, o racismo é o cimento. Ele é o elemento que sustenta a estrutura social, política e econômica da sociedade brasileira.” Troque a palavra racismo por qualquer outro grupo oprimido ou oprimida. Pronto! Fica claro meu modo de ver vida, de pensar e principalmente abraçar.

Ando a ter sorte quanto ao narrado. Venho conhecendo pessoas maravilhosas ultimamente. Como animal gregário que somos, faço parte de um grupo, tipo assim, uma “turma, extremante heterogêneo em pensar, mas cabeça aberta para aceitar o diferente. Bom, nem sempre. Busco exercitar com afinco tolerância para poder sobreviver. Choques de pensamento são comuns neste aspecto e a ladainha é outra, a cantiga soa desafinada. Quando isso acontece é só abanar a cabeça que nem calango, desligar os ouvidos e pensar longe. 

Deixa-me acudir o arroz e já volto ... Pausa de 15 minutos.

Pronto, está no ponto! É mais custoso, pois é integral.

O prazer de fazer minha própria comida é imenso. Assim como converso com minhas plantas, converso com temperos, texturas, aromas e por fim, sabores.

O delicioso trunfo de morar sozinho. 

Retomando, pessoas maravilhosas e diferentes entrando na minha vida, parecem muito com as pessoas de minha Belo Horizonte da adolescência, da agitada juventude “(...)páginas de um livro bom(...)” Flavinho, Flavinho não me leve orvalho aos olhos. Já me bastou o lindo Vander Lee este fim de semana “Sabe o que eu queria agora, meu bem? / Sair, chegar lá fora e encontrar alguém/
Que não me dissesse nada/ Não me perguntasse nada também/ Que me oferecesse um colo, um ombro/ Onde eu desaguasse todo desengano/ Mas, a vida anda louca/ As pessoas andam tristes/ Meus amigos são amigos de ninguém”

Alguns seguramente vão pensar que estou fora de mim ou triste. Não, talvez,engano. Estou pleno de todos os sentimentos. Hoje mais triste, mas amanhã é sábado e encontrarei o grupo. Na desconstrução proposta encontro mais um motivo para viver.

Semanas cheias as que passaram. Poderia falar da triste data de 11/09, da delação premiada do Mauro Cid, da decepcionante demissão de sensacional e atuante ministra dos esportes para dar lugar a um tal de Fufuca do centrão. Podia falar das tragédias das enchentes no Sul, com as quase compartilho sofrimento, assim como às vítimas na Líbia, do Marrocos e em tantos outros lugares. A semana foi recheada de tragédias nossa mãe terra reagindo a tantas e prolongadas agressões. Poderia falar da viagem de trenzinho do ditador da Coreia do Norte ao Kremlin.  

Deixo para os especialistas e tristezas, E saber que tudo isso, no girar dos dias cairá em um vazio imenso, como aquele que habita tantos desta velha/jovem cidade.

Fecho novamente com Vander Lee, se bem que me sinto mais Manoel de Barros em seu Apanhador de desperdícios:

“Tenho abundância de ser feliz por isso.
Meu quintal é maior do que o mundo.
Sou um apanhador de desperdícios:
Amo os restos
como as boas moscas.
Queria que a minha voz tivesse um formato
de canto.”
Vida longa a esta jovem/senhora terra dos contrastes, mas que aprendi a andar por seus becos, conhecer as senhas ou encontrar caminhos até as ilhas de paz de espíritos entre pessoas que brilham – luz própria como os anjos.
“(...) Minha dor
Eu não consigo compreender
Eu quero algo pra beber
Me deixe aqui, pode sair
Adeus(...)”



*Este conteúdo é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.
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