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25/08/2023 às 08h00min - Atualizada em 25/08/2023 às 08h00min

Segredos

WILLIAM H STUTZ
Em meu guarda-roupas de tudo um pouco,
guarda lembranças, guarda cobranças
guarda exagerados segredos loucos.

Meu guarda-roupas, meu armário
tão confuso, organizada bagunça, retrato em carrara de minha alma, meus pensamentos, meus desejos.
um particular santuário.

Entre botinas e rimas, guarda prosa, guarda verso, esconde retalhos.
às vezes claros às vezes escuros
misturam-se em doce harmonia alhos e bugalhos

Meu armário, guarda sim meus mais loucos segredos,
mas bem lá no fundo entre livros, meias, cintos e canivetes,
guarda impregnados nas roupas porém escondidos alguns de meus maiores medos.
William H Stutz

Um diário de viagem
Beira de pasto, dia abrasador, à distância recém-conhecida Morada do Sol. O que me impressiona é a cordialidade das pessoas e a fartura, a generosidade da terra. Não há quintal sem pimentas várias: malaguetinhas, redondas bodes, cores e formatos diferentes, muitas.

Frutas o que há: carambolas, tamarindos, cajueiros, mexerica enredeira/corriqueira, maracujá a cobrir o todo. Árvores centenárias. Mangueiras, largos e viçosos troncos, vestidas de musgo verde-aveludado, jabuticabeiras, cajás-manga. Apesar da aparente pobreza, o sorriso é fácil e sincero. Em todo canto galinhas de canelas secas. Pilhas infindáveis de telhas de barro antigas, provavelmente vindas de roça distante, aguardam anos a fio serventia outra vez.
Vem não, ficam assim largadas sem nada a cobrir.

Ali bamburramos, é por elas que começa sempre nosso trabalho, é lá que se encontram nossos escorpiões. Vingança das telhas pelo abandono? Criam, albergam e protegem escorpiões. Centenas. Sol escaldante, as costas logo doem, o suor encharca rosto e roupa, tudo magicamente desaparece, some. Olhares apenas para o fazer, começa nossa caçada. Pé de vento, sombra e tento, do miúdo vermelho olho preto. As folhas dos bacuris fazem chover em céu sem nuvens, o barulho da chuva é eterno. Expedição ao Prata. Ao fundo sempre brejo, os quintais seguem mata adentro, são infinitos.

As acerolas intrusas decoram de vermelho os mandiocais, sempre carregadas, sem pragas a fazer frente, seguem em doce azeda fartura, ao lado tapetes rosados sob espinhentas paineiras parecem esperar procissão da paixão santa. Sento cansado à sombra de imensa ameixeira. Aqui tudo é superlativo. Retomo o fôlego.

Fogo-apagou pia mansa. Bandos e mais bandos de tucanos, canários da terra, saíras de mil cores. Saracuras: os potes, sempre três. Magnólias floridas perfumam um Brasil colonial. Felizmente o tempo, aqui parou. As casas construídas ao acaso, adobe, tijolo novo, telha comum. Madeira lavrada, outra roliça, bruta. Mistura do que se tem. Faz-se. No escuro da casa devagar se acostuma a vista. Janelas sempre fechadas, a luz fica lá fora. Escuro sem tristeza. Quadros nas paredes irregulares enfeitam. Fotos retocadas à mão, molduras redondas. Os portais baixos obrigam reverência. Abaixa-se para transpô-los, sempre em respeitoso silêncio: - Dá licença?

O fogão de lenha sempre aceso - seus cheiros atiçam cedo a fome. Na varanda do fundo a água dos batedouros corre quintal afora. Os patos se fartam no lodo. O rego é ladeado de taiobas. Longa e pesada semana. Os escorpiões são muitos, centenas. Prática de uma vida. Aqui se busca, se aprende os mistérios de tão antiga e bem-sucedida sobrevivência. Voltando, tentamos aplicar o que a terra aqui nos ensina calada. Expedição ao Prata. Parte viva de nosso trabalho.

Adoro o que faço.


*Este conteúdo é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.
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