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18/08/2023 às 08h00min - Atualizada em 18/08/2023 às 08h00min

Tocaia

WILLIAM H STUTZ
Ansiedade assumida, suor a escorrer pela testa. Arapuca armada – quirela amarelinha como a encantar e colorir a festa.

Por de trás da moita nas mãos a linha grossa, já suja e remendada – o gatilho da espreita, da tocaia. Horas a fio vendo a bela trocal a pastar perto, rodeia/arrulha mineira, desconfiada. Um sem ciscar de busca pelo milho na sombra, vem devagar, observa. Aos poucos perde o medo, a mão do barbante se retesa, joelho raspa a
terra molhada, está quase de pé. Só mais um pouco, paciência.

O suor agora embaralha a vista, em cachoeira passa pela sobrancelha e corre solto por sobre os olhos. Coração agora bate na garganta, é hora.
Arapuca-algoz pronta, quase treme, cordão teso. Pomba passa rente, esbarra na taboca que estala, um súbito parar, bico para o alto olhos aflitos como a procurar.
Um leve bater de asas sem voar, procura, pressente.

Moleque fica pálido sente arrepio e dor de posição. Já não aguenta segurar a própria mão, geme, arfa baixinho. A correia da sandália de plástico parece querer cortar seu pé que já formiga adormecido.

A trocal ainda parada olha de soslaio a quirela na sombra da arapuca. Determinada com seu jogar de cabeça avança, estica o pescoço para dentro, assunta.
Futrica chega esbaforida e em espalhafatosa busca acha o dono, pula/late/lambe, irresponsável, é só o tempo de um olhar por sobre a planta para ver a trocal em assoviado voo se ir barulhenta.
Menino e cão rolam pelo chão, raiva passa rápida, aos risos brinca de outra coisa.
Criança é assim por natureza – feliz.

Abraço

Erva-de-passarinho abraça jabuticabeira.
Carinho mortal.
Árvore afobada afoga.
Sufocada, sucumbi.

Abacateiro do quintal

Carga verde roça o chão, peso doce.
Ao lado as mangas, como estrelas cadentes sem rumo esborracham na terra batida.
Lá no alto passarada faz a festa.
Perigo passar debaixo.

Lua virada

Na virada da lua entre minguante e nova tenho sempre curto interstício de vida
fenda profunda entre real e imaginário

A reclusão e o silêncio sempre me acompanham
No fundinho da gaveta, junto ao mais perfumado sache , jasmim, me aquieto

Pensamentos atormentam meu cotidiano
Pensamentos alimentam meus sonhos
Como voltar?
Lembro dos amigos

Quando voltar?
quando me sentir confortável, quando me sentir afável.

Por que voltar?
Porque amigos de verdade sempre esperam Pacientes, compreensivos

Na virada da lua entre minguante e nova existe sempre a expectativa da Clara luz da cheia,
não só lua , mas vida cheia, completa plena, repleta

Tudo isso na virada da lua
na virada da lua
na virada da lua
da lua
da lua

Sou anjo

Sou anjo
sou de ouro
sou anjo do duro couro

Sou anjo
sou de prata.
sou anjo de rica cantata

Sou anjo
sou de cobre
Nada fica que me sobre

Quer saber? Nem de ouro muito menos de prata
sou repito, anjo sim,
o mais puro vira-lata

Abacaxi do campo

Em quintal de tapera abandonada tomada por barba-de-bode e capim colonião de mais de metro, tropicamos em pés de abacaxi miúdos e perdidos. Cara de doce, mel largado.
Olho maior do que a fome, em um sem pensar descascamos e mordemos ávidos.
Azedo que dói. Matou a sede sapecou os lábios.



*Este conteúdo é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.
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