Diário de Uberlândia | jornal impresso e online Publicidade 1140x90
12/08/2023 às 08h00min - Atualizada em 12/08/2023 às 08h00min

Pai singular

SE MANCA!, por Igor Castanheira

SE MANCA!, por Igor Castanheira

O jornalista Igor Castanheira traz seu olhar sobre temas relacionados a inclusão e acessibilidade.

IGOR CASTANHEIRA
Quando me viu pela primeira vez, ele teve dúvida.
Certamente, teve medo e muita insegurança. 
Não tinha nenhuma experiência. 
Era seu primeiro menino.
Eu tive pressa, quis vê-lo antes da hora.
Mas, em um primeiro momento, ele não pode me levar para casa.
Durante um mês, ele só me via através de um vidro.
O mundo e as suas enfermidades eram um perigo pra mim.
As forças que tinha não eram suficientes para encarar o mundo de frente.
Acho que literalmente avancei o sinal da vida.
Essa pressa em viver tinha que ser acalmada de alguma forma.
E não era simples, teriam que colocar alguns obstáculos.
E sozinho, na incubadora, eu discutia com o meu cérebro.
Claro, ele venceu! Deu umas travadas e me deixou claudicante.
Mas, no fim, com alguns sustos, sai daquele “casulo” com algumas singularidades no corpo.
Eu estava vivo e agora, o que fazer?
Estava em uma casa.
Agora, poderia ver esse mundo.
Ainda não sei se foi uma boa escolha.
Se eu ainda tenho dúvida, imagina ele que me via indefeso.
Dias e meses se passavam, ele com medo.
Mal me pegava no colo, lembra que não poderia pegar um resfriado.
Era frágil, ficava em um quarto escuro, com o calor da minha mãe.
Ele só observava.
Enquanto eu não sabia o que o mundo me reservava, os meus pais ficavam apreensivos com a minha criação.
Posso dizer que até hoje eles não entraram em um consenso.
Imagina, ver essas diferenças sendo debatidas todos os dias?
Não é fácil pra eles que descobriram comigo as minhas necessidades e vontades.
De um lado, a minha mãe, com medo da sociedade.
Vendo a necessidade de me desenvolver.
Com medo do futuro.
Do outro, ele igualmente protetor.
No entanto, ele sabia a importância de sonhar.
Com medo, ambos seguiram fazendo o seu melhor.
Eu sem entender, discutia, brigava e tentava sempre facilitar meu lado.
Um queria que eu aprendesse a cortar o alimento
O outro me deixava pegar com mão.
No final, os dois estavam certos.
A minha mãe seguiu em frente.
Se machucando, mas quebrando algumas barreiras sociais.
Ele não é muito de conversar.
Não é de procurar.
E também não compartilha muitas histórias.
Mas é um excelente ouvinte.
Daí vem a nossa afinidade.
Eu gosto de falar, combina!
Mas conselho nunca foi com ele.
Ele me deixou mais solto
Confesso, foi bom. 
Mesmo com medo, eu só falava.
Ele dizia, vai!
Muito doido, não?
Mesmo com medo, ele sabia que eu tinha que encarar a vida de frente.
Seguir meus sonhos.
Mas o que quisesse fazer, eu teria que fazer por mim.
Direto e objetivo, ele sabia o que iria enfrentar na escola.
Em uma simples dúvida, ele mostrou a melhor maneira de enfrentar a vida.
Um menino, sem maldade, queria saber: qual é o meu lado esquerdo?  E qual é o meu lado direito?
Com um sorriso e de maneira leve, ele soltou!
Esquerdo é o seu lado torto!
Simples assim!
Muitas outras questões, ele não soube responder.
Pois, a realidade dele é diferente.
Sem conhecimento, ele me deu suporte e apoio para descobrir.
Em pequenos gestos, se percebia o cuidado.
Algumas vezes foi julgado por me ver cair e não me ajudar.
Mas sob o seu olhar, ele ficava orgulhoso a me ver levantar sozinho.
E assim, continuo, indo em frente. 
Ele segue recebendo críticas.
Contudo, eu sigo sonhando.
Nós somos diferentes.
Ele não tem como saber meus medos
Contudo, sabe das minhas cicatrizes.
Certamente, eu não sou o filho que ele esperava.
Porém, quero ser o filho que ele sempre quis ter.
Pai.
A minha singularidade te surpreendeu.
E, certamente, a sua filosofia de vida me ajudou a desenvolver.
E me fez despertar o meu sonho.
Você não esperava por isso.
todavia, ao saber me ouvir, você me ajudou a escrever o rascunho da minha história.
Talvez eu consiga descobrir quem sou eu.
Sem um padrão definido, acredito que você representa a maioria dos pais.
Com medo de soltar no mundo, mas com a certeza que ele precisa levar os tombos para aprender.
A diferença é que as minhas quedas você não sabe como são.
Não tem referências e nem exemplos para me ajudar.
Mas, ao me ver levantar, você sabe que está me vendo crescer.
 
*Este conteúdo é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.


Leia Também »
Comentários »
Diário de Uberlândia | jornal impresso e online Publicidade 1140x90