Diário de Uberlândia | jornal impresso e online Publicidade 1140x90
11/08/2023 às 08h00min - Atualizada em 11/08/2023 às 08h00min

Florada

WILLIAM H STUTZ
Alguns de vocês já notaram, sentiram ou se deliciaram com o perfume da florada das espadas de São Jorge? Benção Ogum por usar seu nome! Ah, o sincretismo que nos leva longe em nosso crer!
Hoje minha casa foi inundada com esse perfume único. Talvez, de certa forma, comparado ao perfume de florada das jabuticabas, só que muito mais acalentador. Chega como uma carícia em noite de ardente amor.
 
O estonteante perfume me leva a um pensar. A quem quer atrair? Quem seriam os polinizadores dessa mística planta? Talvez as entidades do bem? Os miúdos? As imperceptíveis criaturas da noite seriam por intenso e doce aroma atraídos? Coincidência ou não, para coroar em esplendor, beirando o sagrado, a noite era de lua cheia. Luz do sol em plena noite, o astro espelho nos presenteia com a luz que vem do outro lado do planeta.
 
Ou seriam apenas as boas vibrações nos chegando? Minha pequena morada está tomada de uma áurea perfeita. O bem se faz vivo. E eu, triste, me renovo. Sussurro Flávio Venturini desafinando “As criaturas da noite/ Num voo calmo e pequeno/ Procuram luz aonde secar/ Peso de tanto sereno/ Os habitantes da noite/ Passam na minha varanda/ São viajantes querendo chegar/ (..Antes dos raios de Sol” (...)
 
Minha gata, percebendo tanta energia do bem, maciamente esgueira para dentro antes que eu feche a porta. Quer soltar seu miado/uivo encentra. Ela também carrega dentro de si suas recordações evolucionárias.  
 
O perfume intenso encanta. Vejo minha solidão muito bem acompanhada. É tão bom ouvir os sons da noite! Nada de televisão, rádio, nada. A geladeira mantém seu ciclo eletrônico e por algum tempo acorda em gemidos. O filtro d’água volta e meia interrompe o sagrado nada. O silêncio é mágico. A gata agora, do nada e sem estardalhaço, retorna mansa, esfrega o corpo em um vai e vem demorado em minhas pernas e depois retoma sua independência. Bicho feliz. Além de autolimpante, se basta.
Certa altura da madrugada e eu ainda entorpecido pelo perfume, nada ouço.  Há momentos nas noites em que todos os sons desaparecem. São sugados pelas estrelas. Nem grilo, nem sapos, nem corujas. Nada é o momento do absoluto, do verdadeiro contato com a alma. E como faz bem.
Feliz aquele que consegue se livrar de tudo e se tornar casulo, nem que seja por alguns segundos.  
   
A solidão é maravilhosa, desde que bem acompanhada.
 É como o doce para o diabético, o tesão do celibatário, o ar para o bêbado afogando em águas rasas, poças. 
 
E o amor? A paixão? Se deixam levar em turbilhão de emoções vazias.
Enfim, a Selic cai um pouquinho, o mercado se agita, um especulador muda de país.
“Me sinto triste de noite/ Atrás da luz que não acho/ Sou viajante querendo chegar/ Antes dos raios de Sol/ Eu te espero chegar/ Vendo os bichos sozinho na noite/ Distração de quem quer esquecer/ O seu próprio destino”


*Este conteúdo é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.
 
Leia Também »
Comentários »
Diário de Uberlândia | jornal impresso e online Publicidade 1140x90