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11/07/2023 às 08h00min - Atualizada em 11/07/2023 às 08h00min

A Gripe Espanhola

ANTÔNIO PEREIRA
Depois da varíola, em 1912, tivemos a gripe espanhola, em 1918, e quem nos deixou alguma informação sobre essa epidemia foi o Pedro Salazar Pessoa Filho. Salazar puxou uma “mea culpa” nessa questão. Conta  que estava em Aparecida, São Paulo, pagando uma promessa feita por sua esposa, pela cura milagrosa de um de seus filhos. Chegaram pela manhã, pretendiam ficar só um dia naquele santuário. De tarde, lendo os jornais, Salazar soube da epidemia que grassava no Rio de Janeiro e que um cidadão chegado de lá, já prostrado pela gripe, estava hospedado em hotel próximo ao dele. Nem acabou de ler. Gritou pela mulher, arrumaram as malas e no trem noturno da Central do Brasil, correram para Campinas, onde tomaram a Mogiana para Uberabinha. Já na Mogiana, o filho começou a ter febre, viajando no seu colo, e a esposa sentiu-se indisposta. Em Uberabinha, os dois chegaram com febre alta e um viajante que os acompanhara também chegara em situação grave. Mais um dia e a cidade parecia toda estar contaminada. Salazar culpou-se de ter trazido a moléstia.

Carmo Giffoni fundou a Cruz Vermelha para atender as centenas de doentes. Seus balconistas também ajudaram nos cuidados com eles. Entre eles, Agesileu Grecco, Joaquim Fonseca e Silva, Galiano Torrano, Gumercindo Silva. A Santa Casa, recentemente inaugurada, encheu seus quartos. Olavo Ribeiro, que ainda não tinha se formado médico, também entrou de corpo e alma nessa batalha. Os médicos eram poucos e alguns estavam gripados já. Foi aí que surgiu a figura impressionante do Dr. Antônio Vieira Gonçalves, farmacêutico, que atendia os doentes, receitava sem implicância dos médicos, que reconheciam o seu desprendimento, aviava, medicava, e rondava buscando doentes e ajudando-os. Quando tinha folga em sua farmácia (Sul Americana), de dia ou de noite, corria às farmácias de Leôncio Chaves e Murta ajudando a manipular a “poção composta”, criada por ele e que estava dando certo. Salazar acabou na cama como toda a sua família. Como nele a febre não era alta e não sentia qualquer outro desconforto, levanta-se de vez em quando e ia para a cozinha preparar chás para os seus doentes. No quarto dia, já de pé, estava à porta, quando passou por ele Targino Tavares. Parou e lhe disse: “Quase que eu fui. Não fique andando por aí, a recaída é pior que a caída. Saí só para comprar uns precisos.” Targino estava encapotado, pálido, magro, barbado, aspecto doentio. Deu uns dois ou três passos e caiu morto.  

Soube que o seu tipógrafo, Josué, tinha sido vítima da gripe. Morrera. Josué morava numa pensão. Em poucos dias, a febre matou-o. À porta da pensão parou uma carroça, já com dois corpos seminus. Josué foi jogado sobre eles apenas de cueca. Ninguém quis pôr-lhe uma roupa decente. Salazar foi à pensão, pegou suas coisas e enviou para a família em Ribeirão Preto.

Conta Julieta Cupertino que ninguém saía às ruas, salvo à procura de socorro, ansiosas e aflitas.
Uberabinha viveu um momento terrível com seus mortos pobres sendo levados para o cemitério em carroças, uns sobre outros, e enterrados em valas comuns.
 
Fontes: Pedro Salazar Pessoa Filho, Julieta Cupertino, jornal O Escolar, do GE Bueno Brandão.


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