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07/07/2023 às 08h00min - Atualizada em 07/07/2023 às 08h00min

Estações

WILLIAM H STUTZ
“A primavera está chegando.
Os pássaros celebram seu retorno com uma canção festiva,
e córregos murmurantes são
suavemente acariciados pela brisa.
Tempestades, aqueles arautos da Primavera, rugem,
lançando seu manto escuro sobre o céu,
Então eles morrem para o silêncio,
e os pássaros retomam suas canções encantadoras mais uma vez.

No prado repleto de flores, com galhos frondosos
farfalhando no céu, o rebanho de cabras dorme,
seu cachorro fiel ao lado dele.

Liderados pelo som festivo de gaitas de foles rústicas,
ninfas e pastores dançam levemente
sob o dossel brilhante da primavera.”
Antonio Vivaldi

A previsão do tempo anuncia seca e umidade abaixo de 15, calamitoso. 

Hoje, quarta-feira plena, o dia acordou vermelho/arte prenuncio de outro dia seco. Aos poucos, amarelando em brilho pouco visto longe do cerrado. Aqui, a natureza e as suas cores vivem eterno superlativo. A memória solta viajar ao espiar janela, paleta de cores em movimento. De qual janela Vivaldi viajou a compor em um 1723?

 Me leva a pensar estações vividas por esta mesma abertura para o mundo. Tudo no mais completo silêncio. Dura pouco. As maritacas. Passam em bando num cantarejo sem fim. A força de suas asas é tamanha que criam vento, fazendo repicar meus sinos da felicidade, seguem em algazarra para árvore próxima. Peitos estufados a cortejar namoro. Vêm filhotes por aí.

Primavera anunciada. Vão nascer com o chegar das primeiras chuvas. Tudo em sincronia, nada fora do lugar, do tempo, da vida. Minto, tem muita desordem mundo afora, no nosso entorno, dentro da gente. Em esforço de sobrevida fingimos nada ver, mesmo tanto olhando. Árvores são arrancadas por conta de um portão sem sentido. O lixo maquiado de luxo que nunca existiu. Ah, mas em troca, você mata três e planta outro tanto. Pensou se justiça humana assim pendesse? A seca castiga como de costume nesse inverno sem frio ou neve. E como de costume, por costume, ateia-se fogo por toda cidade. Um matinho seco, um roçado, arde em frieza, morte. As corujas buraqueiras, do alto de postes de inanimado concreto, observam em agonia suas tocas serem devoradas, suas crias fadadas a horrível martírio. Pequenas Joanas d'Arc na morte, às avessas em vida. Aqui família empoleirada presencia sacrifício estúpido, sem soldados ingleses, sem canonizações póstumas.  A primavera se aproxima arrastada em poeira e cinza. Logo a chuva protetora trará vida, verde, cantos. As corujas terão outra chance. Escondidas de olhos humanos poderão ver filhotes voarem mudas em pios e bater de asas.  O bando de Pássaros Pretos, Canarinhos da Terra, Joões-de-barro em gritos, cantos e algazarra, pousam em nossa primavera. Fizemos ceva com quirera amarela/doce e farinha de pão. Tocamos o sino duas vezes, só duas vezes, eles vêm de longe buscar sustento. A cantoria encanta. Passamos horas a ver/ouvir. Nem goiaba deu. Árvore mutilada custa dar fruto outra vez. A seca castiga forte este ano. Não secou apenas plantas e córregos, secou alma humana. Muitos que por perto circulam estão secos para um eterno sempre. Como deserto em suas entranhas nada mais vingará em vida e paz. Nos conta Dante: " [...] cruzam rio pantanoso e cinzento rio Aqueronte, conduzidos por Caronte – o barqueiro dos mortos na mitologia grega. Almas ruins, vim vos buscar para o castigo eterno! [...], anuncia, descendo o remo naqueles que hesitam em embarcar. Começa a descida pelos nove círculos infernais!" Bicho homem! Apenas de te tenho receio.  Busquemos nos encantos, que por vir estão, alento para nossas vidas. O Criador nos deu as costas ou apenas virou olhar? Talvez nem exista como o concebemos/acreditamos. Ainda há tempo. Rogai por nós. Ordem e o que mesmo?

A umidade baixa requer atenção. Os beija-flores sentem longe o aguar de plantas e correm a refrescar seca. Abelhas ávidas passeiam entorno de pequenas poças como se fosse a última goto do universo ali depositada. As lagartixas, mais tímidas, esticam o pescoço para em desconfiado mudar de cor, sorver atentas cada porção a trazer vida.

Ainda há tempo. Rogai por nós. Ordem e o que mesmo?

“Não há palavras, é apenas música lá.” Antonio Vivaldi


*Este conteúdo é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.
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