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03/02/2023 às 08h00min - Atualizada em 03/02/2023 às 08h00min

O mais longo dos janeiros

WILLIAN H STUTZ
Escrevo em 1º de fevereiro. Janeiro finalmente acabou. Não me lembro de um mês em toda minha vida que tenha durado tanto. Um suspiro que vem da alma me acomete. O mais longo dos meses começou mesmo em dezembro. Os pagamentos de salários e aposentadorias aconteceram cedo demais. Não que patrões e senhores de engenho sejam bonzinhos, a ideia dos pagadores era injetar mais grana no comércio aproveitando as datas comemorativas de fim de ano e o consumo represado por falta de dinheiro, emprego. Ânimo entra em um estado letárgico de euforia ao ver o contracheque aparentemente gordo. Ilusão pura.

Esta história de receber antecipado é boa e é ruim. Se você tem controle, saberá equilibrar-se para o longo período que está por vir, a distância que vai separar um holerite de outro que poderia ser um Rio-São Paulo vai se tornar uma Belém-Brasília com todos os obstáculos, percalços e perigos que nossos judiados caminhos Brasil infligem. 

Se for voraz e gastador, vai entrar de cara no novo ano com dívidas e enrolado até a tampa. Lembrando que ainda não chegou a torrente de impostos e suas siglas variadas. É sempre bom lembrar que tudo literalmente tem seu preço e na toada que vai, com os juros lá nas alturas, recomenda-se prudência, muita prudência. Festas e festas, repito, a alegria represada pelo distanciamento estava no limite. A válvula de segurança apitou.

Janeiro entrou tranquilo mas esquisito, uma aparente paz pairava sobre uma gente esgotada de tanta briga e desarranjos. A posse do presidente democraticamente eleito ocorreu sem maiores transtornos uma festa cívica linda e alegre. Claro sempre havia o temor de manifestações antidemocráticas por parte daqueles que em velórios em portas de quarteis acampados em colônias de férias fascistas ainda alimentavam uma esperança patológica de virada de mesa. Tento acreditar que muitos que ali se aglomeravam não sabiam direito o que era ser de direitA. Certamente haviam cursinhos catequizadores nestes covis para doutrinar os “sem barraca”.

De verdade? O ano janeiro começou mesmo esquisito, devagar de primeirinha, mesmo depois da posse, nuvens negras espreitavam ao largo. Quando estava, o mês, o ano, prestes a engatar uma segunda, amanheceu o fatídico  8 de janeiro que já foi dissecado à exaustão pelas mídias e conversas de boteco.

Ai nos bate à porta e escancara aos nossos olhos mais uma  tragédia humanitária, o holocausto dos yanomamis e de todos os povos das florestas. Situação que não é nova, mas fingíamos que não era conosco.

Carlos Drummond de Andrade na década de 1970 já clamava por justiça e cuidado como povo Yanomami.

No texto publicado pela Folha de S. Paulo em 2 de agosto de 1979 de título "Não deixe acabar com os yanomami", o poeta mineiro já alertava para o impacto do garimpo e da exploração desenfreada da floresta, relatando o aumento de casos de doenças como sarampo, tuberculose e ISTs ou As Infecções Sexualmente Transmissíveis. Drummond também usa o espaço para defender o projeto de lei que previa a criação do então Parque Indígena Yanomami, hoje Terra Indígena Yanomami, cuja demarcação só foi homologada em maio de 1992.

A tragédia pela qual passam os povos da floresta agora mostrada ao vivo e a cores nos remete aos campos de concentração nazistas. Em pleno século XXI esta e outras em África e tantos outros países mundo afora, merecem olhar especial e os responsáveis, punidos por seus crimes contra a humanidade 

Para sorte nossa, este ano, fevereiro não será bissexto e quem sabe consiga dar ritmo certo aos meses vindouros e deixar no pó toda a tragédia grega ou talvez poderíamos classificar como tragicomédia do infeliz e infelizmente inesquecível janeiro de um ano que gostaríamos de ver passar em paz e harmonia e principalmente justiça.



*Este conteúdo é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.
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