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13/01/2023 às 08h00min - Atualizada em 13/01/2023 às 08h00min

Visita

WILLIAN H STUTZ
A ideia era passar a virada do ano em Belo Horizonte longe das tradicionais festas fechadas em clubes onde obviamente estaríamos em alegria junto aos amigos, mas em compensação junto também de outras tantas gentes que vemos e encontramos o ano todo e com as quais não compartilhamos nada além de ligeiros bons-dias ou conversas breves sobre nada. A ideia era uma passagem diferente, poderia ser em uma praia, talvez Copacabana ao som de Zeca Pagodinho e tais. Mas Rio é muito longe e confesso, tenho certo receio daquela cidade. Talvez influência da mídia e seus relatos tenebrosos sobre crimes, milícias, arrastões e inescrupulosos políticos me levaram a ser arredio em relação a Cidade Maravilhosa. Não que nossa Uberlândia não nos proporcione em escala interiorana sua dose destes fantasmas, mas aqui, pelo menos, conseguimos nos defender um pouco melhor por ser nosso terreiro também. 

Teríamos as praias do norte do litoral paulista, mas só de imaginar que metade da cidade de São Paulo desce a serra dá para imaginar as boas e velhas filas para comprar pão, água ou qualquer outra coisa além das tradicionais esperas de horas para conseguir lugar em restaurante ou boteco.

Belo Horizonte foi escolhida por alguns motivos especiais. O primeiro e mais importante era o de resolver um sério problema de relacionamento, uma DR como dizem, e outro é que, a possibilidade de encontrar uma cidade mais vazia animava, pois, o caótico trânsito de nossa capital provavelmente estaria mais “calmo” pois assim como Sampa, o pessoal de BH foge da cidade em feriados. Buscam o sossego do interior do Estado ou descem rumo ao Espírito Santo, mais especificamente Guarapari e seus arredores.

Assim, de mochila pronta, lá me fui para a Belo Horizonte onde nasci e me criei, onde moram as mais distantes lembranças de minha infância.

Beleza. Só que nem tanto. São Pedro não quis dar tréguas aos pecadores aqui embaixo e abriu a torneira com gosto. A passagem programada para ser em meio a shows e food trucks, luzes, fogos e multidão foi abortada exatamente pelas mãos de São Pedro que despejou baldes e mais baldes de chuva sobre a capital das Alterosas. Dizem, não vi, disseram, que meia dúzia de gatos-pingados (Lato sensu) e molhados lá estiveram. Mas a beleza da festa teve seu brilho reduzidíssimo por conta do pé d’água do último dia de 2022. Não estragou nossa festa, que mesmo reduzida a duas pessoas foi grandiosa em alegria e animação. Analisando bem a chuva torrencial foi um banho de descarrego para lavar de vez o 2022 e todas as vibrações negativas que tomaram o país por vários anos. O ano novo chegaria limpo e belo e com milhões de expectativas positivas. O tempo dirá. Um pouco de pé atrás, característico de nós mineiros, cabe em qualquer lugar, não engorda e só faz bem. Gato escaldado – e não os pingados da praça – tem lá seus motivos para aguardar antes de acender o pito de palha e levantar a aba do chapéu.

Passada a passagem (horrível essa expressão, mas não resisti e vou abusar da escrita formal e da licença poética) e eu aqui em terras de lembranças, sai à cata de uma ou outra. Quando de meus, sei lá, 15, 16 anos, o programão de domingo era subir a Rua Gonçalves Dias até o Xodó, onde ficávamos em grupos de meninos de um lado e meninas de outro a cochichar e soltar risadas e olhares para o grupinho delas. Elas faziam o mesmo, só que as risadinhas eram mais comedidas e os olhares mais fogosos. Saudoso Tavito e sua Rua Ramalhete me veio nítido: 

(...) “No muro do Sacré-Coeur,
De uniforme e olhar de rapina,
Nossos bailes no clube da esquina,
Quanta saudade!” 
Muito prazer, vamos dançar
Que eu vou falar no seu ouvido
Coisas que vão fazer você tremer dentro do vestido,
Vamos deixar tudo rolar;
E o som dos Beatles na vitrola.
Será que algum dia eles vêm aí
Cantar as canções que a gente quer ouvir?

Raramente acontecia alguma coisa e logo, pouco antes do anoitecer, a debandada era geral, pois aqueles que ali estavam imitavam adultos, tinham hora de chegar em casa.

Um dos lugares onde fui garimpar lembranças foi exatamente no Xodó. Estava lotado, cheio de mesas e painéis com senha, mais lembrava um McDonald’s sertanejo. Os cheiros, os sons, os movimentos em nada lembravam o “meu” Xodó. O Cachorro-quente, ah tive que pedir sim senhor sim senhora, em nada lembrava o sabor criança. Este agora tem até batata palha, molho apimentado e pasmem, vinagrete e milho!!! Heresia sobre heresia. Assassinato de minha lembrança gustativa! Sai emburrado de lá!

Mas tudo bem, hoje perdoo. Os tempos são outros e o gosto metálico de enlatados e o pré-preparo dos alimentos é quase uma exigência. Todos têm pressa, a calma da infância e a ansiedade adolescente não se resumia a sanduíches.

Na Cantina do Lucas no Maleta almoçamos o famoso Tornedor  bem mal passado ao molho de jabuticaba este sim se mantém um clássico.

Logo retorno a Uberlândia, mas ainda ficaram lugares a ser resgatados claro, o Mercadão, o Distrital, o PF do Hi-Fi, o Bolão no Santa Tereza e, aproveitando para conhecer o Bar do Clube da Esquina, este certamente vai criar uma nova era de lembranças e prazeres que só essa cidade do“ Olhe bem as montanhas” pode proporcionar.

Feliz 2023 outra vez, de verdade? Desafie suas lembranças, revisite todas que conseguir, algumas lhe decepcionarão é fato, mas a maioria... Elixir da juventude E, como cantou Milton “Sonhos não envelhecem...” mesmo que coloquem vinagrete e milho no seu cachorro quente.


*Este conteúdo é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.
 
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