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15/11/2022 às 08h00min - Atualizada em 15/11/2022 às 08h00min

Entrevista com o Bolinho (trecho)

ANTÔNIO PEREIRA
De uma longa conversa que tive com o sr. João Rodrigues (Bolinho), cidadão antigo do Patrimônio, em 1912, separei vários artigos com informações interessantes. Vou publicando-os devagar.
 
“O Guarany foi um time que deu muita alegria pra nós. Naquela época, eu era menino, ajudava a carregar as chuteiras dos jogadores, a gente saia daqui, o campo do Bangu, era lá no meio do cerrado onde, depois foi o bairro Brasil. Era lá no colégio José Inácio, por ali. Tinha muitos bambus plantados em volta do campo. Na vila Martins, o Guarany ia a pé, às vezes, ia lá pra Usina Ribeiro, então a gente fazia uma vaquinha e pagava um caminhão que levava os jogadores, a torcida, ia tudo, a minha mãe, minhas tias, a Lenica, a família da Lenica. Aonde o Guarany ia, nós ia.  Aqui no bairro, quando o outro time fazia gol no Guarany, as mulheres entravam no campo, corriam atrás do juiz, corriam atrás dos jogadores adversários. Eles corriam pro mato, pro cerrado, as mulheres com guarda chuvas, porretes, sombrinhas. A minha mãe era a primeira. O Guarany não podia perder aqui de jeito nenhum. Tava aquele sol quente elas iam com sombrinha pro campo. O campo era aqui em cima, não tinha nada. Onde é a Cachaçaria. Os grandes jogadores antigos do Guarany, foram o Araxá, o Beraba meu cunhado, tinha uma família que morava aqui, hoje está em Anápolis, são juízes, promotores, advogados, tão muito bem. Era um volante, um lateral direito e um centroavante. Esse centroavante era bom demais. Tinha o Alberto Palhaço, era um zagueiro extraordinário. O Dé, o Branco, Jorge Veiga, Chapetuba, eram muitos. Não saiu ninguém pro Uberlândia Esporte. Saiu um, o Nenê.

Nos dias santos se faziam procissões, sem padre, sem nada. Nós mesmo fazíamos. Tinha um cruzeiro aqui em cima. A gente rezava pra chover. A gente saia daqui numa procissão, cada um com uma vasilha d’água na cabeça e levava lá no cruzeiro e molhava o pé da cruz. Tinha vez que a gente voltava já debaixo da chuva. Aquela fé que hoje em dia o povo não tem mais. Acabou. A gente ia rezando, voltava rezando debaixo de chuva. Era a minha mãe, dona Geralda benzedeira, aqui tinha muitas benzedeiras, muitas feiticeiras e feiticeiros. Tinha o Armazém do seu Pedro. Naquela época só tinha esse armazém aqui. E o bar do Ageu. O do seu Juquinha foi bem depois. Antigamente as pessoas faziam suas casas sem observar alinhamento nem nada. Faziam de qualquer jeito. Foi um fazendeiro que tinha essas terras aqui que doou pra igreja. Os padres foram dando pras pessoas, até hoje tem muitas casas aqui que não tem escritura. Só tem um documento da igreja. Nós fomos vender um terreno de uma tia minha, aí na Francisco Galassi, não tinha escritura. Só tinha um documento dos padres, mas antigo, antigo, antigo. Amarelinho, as letras já sumindo.

Aqui só tinha a capela de São José. Foi ficando abandonada, abandonada... Ali, nesse terreirão do samba, era muito assombrado. Dona Marieta, era uma negra velha, a gente era menino, quase matava ela gente de raiva. Lá é cheio de pé de manga. O Patrimônio era uma fazenda, só tinha pé de manga, pé de laranja, riquíssimo em fruta, a gente deixava em casa pra ir lá roubar dela. Só pra ver ela xingar. Ela chegava até a sapatear no chão e chorar. E xingava. Nós quase morria de rir. Ela entrava pra dentro, nós começamos a jogar pedra. Era o dia inteiro atormentando ela.

A Semana Santa era muito respeitada. Naquela época, minha mãe não deixava ligar rádio, a gente fazia jejum. Era muito respeitada. Hoje eu acho a coisa mais esquisita... Quando morria uma pessoa na casa, ficava de seis até oito meses sem ligar rádio. Naquele tempo era difícil um pobre ter rádio. Não tinha energia. Era lamparina. A gente dormia no outro dia, o nariz tava todo preto de fuligem do pavio... “
 
Fonte: João Rodrigues (Bolinho)


*Este conteúdo é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.
 
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