Diário de Uberlândia | jornal impresso e online Publicidade 1140x90
11/10/2022 às 08h00min - Atualizada em 11/10/2022 às 08h00min

Os primeiros casamentos “café com leite”

ANTÔNIO PEREIRA
Família de escravos
No tempo da escravidão ainda não existiam o casamento e o registro civis. A Igreja, ao colocar a bênção sobre a união do homem e da mulher, realizava também um ato de efeitos civis. O assentamento nos seus livros da Igreja valia tanto quanto o registro feito atualmente nos Cartórios.
                   
Nosso primeiro livro de assentamento de casamentos foi aberto na paróquia de Nossa Senhora do Carmo e São Sebastião da Barra de Uberabinha, no dia 10 de julho de 1858, conforme está no Termo de Abertura, só que o primeiro casamento nele registrado foi realizado três anos antes, conforme data do próprio registro. Esse enlace, que é o primeiro acontecido nas terras do nosso Município, foi de Manoel Pereira da Mota e Victória Maria do Bonsucesso. Casamento de brancos. É fácil diferenciar, nos velhos livros, daqui ou de qualquer paróquia, o casamento de brancos dos de negros.
                   
No registro de casamento de brancos constava o nome inteiro dos nubentes: prenome, nome e sobrenome; o nome inteiro dos pais, o nome inteiro dos padrinhos e o lugar de nascimento e batismo dos noivos.
                   
No registro de casamento de negros, registrava-se apenas o prenome acrescido de um adjetivo que indicava a origem ou a nuance da cor de cada um. Por exemplo: Sebastião de Angola, Benedita Mulata. Registrava-se também o nome inteiro do senhor e dos padrinhos. Não se ficava sabendo de quem eram filhos, nem onde tinham nascido e sido batizados. Caso fossem negros libertos anotavam de quem tinham sido escravos, mas nenhuma referência aos pais. Mesmo livres, eles permaneciam sem personalidade, de fato, sempre ligados à situação de “coisa” do seu ex-proprietário.
                   
O primeiro casamento de negros assentado no Livro nº 1, se deu no dia 5 de outubro de 1855 (como se nota, três anos também antes do Termo de Abertura). Casaram-se Alexandre e Brícida, ambos escravos de Mizael Alves Barbosa.
                   
A partir das caracterizações relacionadas, podemos descobrir, no Livro nº 2, o primeiro casamento de um negro com uma branca, o que, na época, deve ter sido um acontecimento surpreendente.
                   
Realizou-se no dia 7 de fevereiro de 1868 e uniu Antônio Bernardes Machado e Antonia Maria da Silva.
                   
Antônio Bernardes Machado tinha sido escravo de João Bernardes Machado e, por este, foi libertado. Isso consta do registro. Esse ex-escravo possuía nome completo pelo fato de ter deixado de ser escravo e ter adotado, por gratidão, como era costume, o nome de família do seu ex-senhor. A condição de negro ex-escravo consta do assentamento.
                   
Já Antônia Maria da Silva não é liberta, nem escrava, nem ex-escrava de ninguém, porque nenhum desses pormenores constou do registro. O que constou, e que está em todos os casamentos de brancos, é: o lugar do seu nascimento e batizado, que foi Pium-i, e o nome completo dos seus pais, que foram Joaquim Pereira de Sant’Anna e Maria Josefa da Silva. Seus padrinhos foram homens ligados a famílias tradicionais do lugar: José Alves Pereira e Antônio Gomes Moreira.
                   
O segundo casamento nas mesmas condições deu-se quatro anos depois, no dia 20 de junho de 1872 quando se casaram o ex-escravo Thomé Cabral de Menezes (liberto por um membro da tradicional família uberlandense Cabral de Menezes) que adotou, por gratidão, o nome de família de seu alforriador, e Maria Christina de Jesus, branca, filha de Francisco de Paula Gomes e Christina Maria de Jesus.
No ano seguinte, no dia 18 de maio, José Pedro, escravo de Antônio Francisco de Rezende, casou-se com a branca Maria Bernardes de Jesus. O que é curioso é que Maria já era viúva de um branco, Manoel José de Almeida. Mais intrigante ainda é que ela se casou com um negro que era e que continuou escravo.
                   
O quarto casamento, do branco Antônio da Costa Azevedo com a negra liberta Roza Maria de Jesus, foi em 1874.
                   
Em 1875, houve dois casamentos miscigenados: do negro Francisco Napolitano com a branca Maria José de Jesus, e do branco José André de Souza com a ex-escrava Izabel Maria de Jesus.
                   
Daí para a frente tornou-se comum esse tipo de união.
                   
O que é interessante é que a cidade sempre foi um tanto preconceituosa, havendo situações concretas de discriminação até princípios da década de 60, do século passado. Como será que a sociedade do velho distrito recebia tais uniões?
 
 
Fontes: Registro de Casamentos da Igreja de Nossa Senhora do Carmo e São Sebastião.


*Este conteúdo é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.
 
Leia Também »
Comentários »
Diário de Uberlândia | jornal impresso e online Publicidade 1140x90