Loucos jovens em viagem para a capital portenha para fazer um curso de composição. O ano, 1975. Nosso cicerone, ninguém menos que o grande coreógrafo Oscar Araiz .
A Argentina passava por momentos duríssimos, sua frágil democracia indicava golpe. Fomos de ônibus, cinqüenta e sete horas de viagem. Além dos onze pretensos bailarinos, apenas um chileno, que recitou Neruda a viagem inteira, ia em busca de sua família, pois havia fugido de seu país depois da queda de Allende. Mal sabia o que lhe esperava.
Depois de Paso de los Libres, bateu o cansaço. A monotonia da paisagem dos pampas quase nos matava de tédio, só a cor dos bois mudava - dez quilômetros de bois vermelho-e-brancos, dez quilômetros de bois preto-e-brancos, dez sem bois, e começava tudo de novo.
Em Rosário, os primeiros sinais do "Grande Paro" convocada pela CGT - tropas nas ruas, pessoas sendo revistadas - cenas do gueto de Varsóvia. "Nazistas", sussurrou o chileno, com os olhos úmidos/cerrados.
Entramos em Buenos Aires à noite. Cheiro de peixe e fumaça iluminada, esta foi a primeira impressão. O movimento das ruas não lembrava, naquele dia, clima de tensão, famílias inteiras lotavam restaurantes e calçadas.
Falsa paz, bastou jogar as malas no pequeno quarto de hotel para sermos advertidos pelo gerente: "O Grande Paro começa amanhã, por favor comprem comida, pois não servimos refeições e o que temos é para nosso próprio consumo". Quilos de frango assado e pão preto.
Uma semana de hotel e saídas furtivas para comprar cigarro (Gitanes ou Jokey Club , único tabaco ainda disponível). O consulado brasileiro nos orientou a deixar o país. Não sem antes conhecer o Teatro Colón, era nossa condição única.
Curso não houve, mas, às escondidas, peguei o metrô - fui a San Telmo e, sentado em um banco do parque, bebi vinho, fechei os olhos, senti um frio contato na fase e, emocionado, percebi: nevava na capital portenha.
Buenos Aires envelhecia dentro de um armário. Sua expressão juvenil era mentira. Nunca mais voltei. Nunca mais vi o chileno apaixonado, leio pouco Neruda e às vezes ouço longe a canção:
"¡Tus párpados abiertos son pétalos de rosas
que ofrecen dos luceros a mi desolación!"
Araiz, ao se despedir de nós, sussurrou: "Eso de crear yo no me lo creo"
Feinha feinha
Fora sua primeira paixão. Era uma moça feinha feinha, que gostava de estrelas.
Não das estrelas do céu, reluzentes e às vezes barulhentas em seu silêncio de cristal, mas das estrelas desenhadas, estampadas nas roupas, bordadas nas batas e nas sandálias. Estrelas, enfim, estrelas.
Fora também a sua primeira mulher. Com ela deitou-se e conheceu prazeres nunca imaginados. Em seus braços dormiu noites deliciosas.
Seu perfume também era diferente, nunca mais o sentiu, apenas ela o exalava, mais ninguém.
Estava apaixonado. Não, estava loucamente apaixonado.
Quase mudou o rumo de sua vida por esta paixão. Largaria tudo por ela. Viajaria o mundo em sua companhia.
Paixão louca, sem limites, sem presilhas.
Mas o susto-pânico um dia veio, sentiu-se perdido, vazio, sua amada feinha feinha o trocara por outro. Não um outro qualquer, mas o outro parente, amigo, mais do que amigo. Correu na chuva, chorou, não encontrou ninguém para ouvir seus lamentos uivos, ainda bem, aprendeu a sofrer sozinho.
Sentiu-se traído duas vezes. Quis morrer. Mas era muito moço para morrer e mais moço ainda para matar.
O tempo rápido passou e rápido a dor tinha sumido, o sorriso voltou e pode então entender – como amar alguém que gosta de estrelas de mentira?
Não, não merece o seu amor. Quanto à dupla traição, ele há muito sorri pois descobriu há muito tempo um amor único, puro e verdadeiro, afinal eles se merecem são tão feinhos feinhos ...
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