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27/09/2022 às 08h00min - Atualizada em 27/09/2022 às 08h00min

No tempo dos “Irmãos da Estrada”

ANTÔNIO PEREIRA
Trecho de estrada do Vilela
As primeiras estradas construídas na região, partiam de São Pedro de Uberabinha, passavam por Monte Alegre, Abadia do Bom Sucesso (Tupaciguara) e chegavam até Vila Platina (Ituiutaba) e Santa Rita do Paranaíba (Itumbiara). Foram os primeiros caminhos para automóveis, no país, rumo ao oeste. A construção foi feita pela Companhia Mineira Auto Viação Intermunicipal cujos diretores eram Fernando Antônio Vilela de Andrade, presidente, e Ignácio Penha Paes Leme, diretor técnico. Os dois já tinham trabalhado juntos quando Vilela foi Agente Executivo em Vila Platina. Vilela e Paes Leme construíram naquela cidade um serviço de captação e distribuição de água potável que foi o primeiro serviço oficial do Triângulo. Foram chamados de loucos. Sem dinheiro, sem material na cidade e enfrentando longo período de seca, Vilela fez empréstimos, comprou fiado o material que necessitava dos atacadistas de Uberabinha e tocou o serviço à revelia de todos que não acreditavam naquela novidade. A água jorrou pelas torneiras quando a seca já se transformava num tormento. Ao fim de seu governo, já tinha planejado mudar-se para Uberabinha e construir suas estradas. Vendeu tudo que tinha, associou-se a Paes Leme e veio. A construção iniciou-se em 1912 e neste mesmo ano começou a ser usada.
                   
Por essas estradas passaram os motoristas que foram buscar lá nos confins de Mato Grosso e Goiás, clientes para o atacado da cidade que se transformou no maior do país. Depois de Itumbiara, outros empresários, sentindo que era necessário empurrar o caminho para frente, criaram outras rodovias. Ronan Rodrigues Borges, Tito Teixeira e Pedro Salazar Pessoa Filho foram obstinados estradeiros que arrastaram as pontas da estrada de Fernando Vilela para o interior de Goiás e Mato Grosso.
                   
A Companhia Mineira Auto Viação Intermunicipal tanto explorava o transporte de pessoas em jardineiras, quanto o de cargas em pequenos caminhões, mais os pedágios que cobrava de terceiros usuários. Os caminhoneiros desenvolveram seu trabalho a tal ponto que se projetaram no ideário popular como heróis, homens sérios, solidários e amantes do progresso. Naquele tempo, esposa e filha de roceiro, fazendeiro ou peão, não apareciam na sala quando havia visitas masculinas, mas todos confiavam-nas, sozinhas, quando havia necessidade, à boleia dos caminhoneiros, homens respeitadores. Quando alguém precisava de dinheiro, encomendava-o aos capitalistas e quem levava eram os caminhoneiros. Nego Amâncio contou que levava sacos cheios de notas e moedas no meio da carga. Aviamento de receitas, compra de óculos, tudo era feito por encomenda a eles. Às vezes, um doente esperava pelos remédios pedidos por mais de trinta dias. As estradas, todas elas, eram ruins e, além disso, às suas margens, não se encontravam postos, nem vendas, nem borracheiros, nem bares, nem mecânicos. Os motoristas levavam combustível em latas ou tambores, correntes, ferramentas, pneus, chicões, matulas, cordas e eram apelidados de “bichos de camada” porque andavam um atrás do outro para se socorrerem, caso fosse necessário. Dada a grande solidariedade reinante entre eles, chamavam-se mutuamente de “Irmãos da Estrada”. Os mata burros eram perigosos, as pontes piores. Havia pontes feitas apenas com dois paus. As várzeas eram cheias de poças d’água e areões. Nas vertentes havia muito barro e atoleiros. Nos tempos de chuva eles já sabiam onde encalhariam. Às vezes só juntas de bois conseguiam desatolá-los. As viagens duravam dez, vinte, trinta dias, ida e volta, quando tudo ia bem.
 
Esses heróis, como dizia o saudoso Nego Amâncio, “morreu todo mundo pobre...”
  
Fontes: Hélio Benício de Paiva, Nego Amâncio, José Ruguê

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