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23/09/2022 às 08h00min - Atualizada em 23/09/2022 às 08h00min

Um ônibus chamado Brasil – Parte 1

WILLIAM H STUTZ
Cheguei em cima da hora. Não que quisesse, mas o outro ônibus que peguei para chegar nesta rodoviária veio aos trancos e barrancos. Após alguns “Pare-siga” por conta de reparos, acidentes e quedas de barreiras, aportou, ou melhor,  ônisbou  com significativo atraso. Corri para chegar à plataforma de embarque. Sorte que a mochila estava leve. Viajo assim, carrego pouca coisa e, posso te garantir, vaidade de bem vestir não é uma delas. De celular em punho e esbaforido, coração aos pulos da carreira, encosto na fila de entrada. Ufa, dei sorte dessa vez! Se perdesse esse outro, só daí a três horas. Perda de tempo e dinheiro. Ao apontar a passagem no celular para o rapaz que conferia os bilhetes, recebi um mal-humorado 

 —  Uai, ocê não imprimiu a passagem no guichê?  

Apesar da aflição da hora, não pude deixar de pensar como uma palavra aportuguesada rola livre na boca de nosso povo, do mais simples cidadão ao mais empinado dos esnobes. E pensar que o tal guichê vem da língua do Marquês de Sade, de Rousseau, Sartre, Simone de Beauvoir, Proust, de Alexandre Dumas e seu Conde de Monte Cristo, além de seus três, que eram quatro, mosqueteiros. Isso, para nem pensar em Victor Hugo, Napoleão, Edith Piaf, Voltaire, Joana d'Arc, Monet!!! Chega!!!  Senão enche página!!!

Bem que o moço poderia dizer bilheteria, assim não me traria tamanho e lampejado pensar. 

—  Uai, respondi atônito, tirei a passagem pela internet e eles a enviaram para meu correio eletrônico com esse QR. Pronto, outra estrangeirice que, para quem desconhece, significa “Quick Response", também no Brasil. Contudo, deveria se chamar RR ou “Resposta Rápida”. 

—  Tinha que imprimir!  Perseverou o cabra, agora quase colérico. Que dia esse moço vai ter, pensei me contendo.

Virou abrupto e pegou um bloco de notas e rosnou:
—  Me fala o código da passagem! Ditei um por um, tal que mais parecia um CNPJ duplo e sem mil de ré, enorme mesmo. Pegou minha carteira de motorista e ficou a olhar para a foto e para mim. Pensei, pronto agora ele cria caso e diz que a foto não bate com o original, ou seja, eu. Só aí pegou o famoso leitor de QR ou RR e murmurou uma boa viagem, no qual não percebi sinceridade. Podia ter feito isso de primeira não!? Nossa gente anda irritada e com razão. Sorte ele não estar armado, mas acho que o vi fazer arminha como os dedos da mão. Achei ligeiro meu assento no corredor, como sempre. Pode ser cisma, mas não disputo janela. Pode ser que eu queira sair e o passageiro ao lado esteja dormindo. Detesto incomodar, mas não me incomodo de ser acordado ou de ter que encolher pernas para dar saída ao vizinho de viagem. Todos dentro do ônibus, aparecem os motoristas, se apresentam e passam as informações da viagem. O tempo de duração do trajeto, as infinitas paradas e fecham com um 

 — Olha aí pessoal, o uso de máscara e de cinto de segurança são obrigatórios. Avisei porque sou obrigado, mas sei que ninguém vai usar mesmo, então vamos com Deus. Dá as costas e fecha ruidosamente a cabine de motorista. Começa a viagem. 

Depois de meia hora, dou uma olhada para o ônibus lotado. Ele, o motorista tinha razão. Apenas eu e umas duas ou três pessoas em um universo de 45 usavam máscaras. O cinto não deu para saber quem usava ou não. O meu seguia firme, me abraçando forte pela cintura.

Não demorou muito para perceber que o ônibus estava meio que, digamos, baleado. O bagageiro sobre nossas cabeças batia solto, balançava mais que andaime malfeito. O barulho do ar-condicionado parecia um motor de Ford 29 prestes a fundir, mas a temperatura, pelo menos, estava boa. Não demorou muito, coisa de hora e meia, já uma parada para pegar gente. Como, se já está cheio até na tampa? Aí vi qual seria a rotina do trajeto. Mais adiante, descem três, sobem dois. Desceram quatro, subiram mais dois e assim seriam os mais longos 600 km de minha vida.

Continua…
 
*Este conteúdo é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.



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