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23/08/2022 às 08h00min - Atualizada em 23/08/2022 às 08h00min

​Um recorte do velho ensino rural

ANTÔNIO PEREIRA
Ruínas da Casa do Capitãozinho I Foto: Reprodução/Internet
Antonino Martins da Silva, antigo titular do Cartório do Registro Civil de Uberlândia, começou sua vida profissional como mestre de escola da roça. Uma rápida passagem por sua biografia, nos mostra um curioso instantâneo do velho ensino rural. Quase foi lavrador. Antes de enfrentar o ensino, d. Luíza, sua mãe, deu-lhe de presente uma bela enxada Jacaré da qual o rapazola cuidou com carinho. Amolou, encabou, jogou na cacunda e foi trabalhar na capina a uns dois quilômetros de casa. Ele morava perto de Martinópolis (hoje, Martinésia).
 
Trabalhou um dia, mas o sol esteve muito quente e ele desistiu. No dia seguinte, vendeu a enxada e procurou outros rumos. Pensou em lecionar, mas não havia onde. Um sitiante, pra baixo do Cruzeiro dos Peixotos, chamou-o para dar aulas a seus filhos e vizinhos e ele foi. Era um lugar sombrio, baixada, escurecendo cedo, melancólico. No seu primeiro pernoite, deu-lhe uma angústia danada, mal dormiu e no dia seguinte voltou pra casa.
 
Quantos anos tinha o pretenso mestre-escola? Uns doze a treze anos apenas! Era um menino com muita leitura. Tinha feito o curso primário no Grupo Escolar de Martinópolis, que está lá até hoje. Foi construído em 1916, ano do nascimento do Antonino. Foi aluno dedicado que, além dos livros escolares, estava sempre lendo outros, aprendendo. Mas, do Grupo pra frente, não teve mais formatura, foi um autodidata. Ia para a escola a cavalo. Eram uns 18 quilômetros. No primeiro dia de aula deu um trabalhão para entrar na sala. Estava morrendo de vergonha. Sua primeira experiência como professor foi na fazenda de Braz Martins da Silva.
 
Dava aulas para os filhos do fazendeiro e da vizinhança. Cobrava oito mil réis por mês de cada aluno. Como Antonino queria ser guarda-livros, d. Luíza trouxe-o para a cidade e apresentou-o ao professor Milton Porto, do Liceu. Antonino estava com uma calça pega-frango de algodão tecido em casa. Milton Porto mirou-o de alto a baixo e resolveu ajudá-lo.
 
Deu-lhe os estudos de graça, menos o material. Como tivesse que pagar a pensão, que era da dona Maria do Virgilino Ferreira, situada à avenida João Pessoa, esquina com a avenida Fernando Vilela, Antonino foi trabalhar na Loja Glória, do José Tachian, que ficava em frente ao atual Café Imperial (Butantan). Ia às aulas de noite. Da pensão até o Liceu (que ficava na praça Oswaldo Cruz, em frente ao atual Fórum) era um trilheiro no meio do matagal e o rapazinho, que estava aí pelos 16 anos, ia e vinha morrendo de medo.
 
A situação, entretanto, não lhe permitia assumir os custos da pensão e do estudo, apesar da ajuda do professor Milton, e Antonino desistiu de ser guarda-livros, estudando apenas até o segundo ano propedêutico. Voltou para a roça e recomeçou a lecionar. Foi para a fazenda de Orozimbo Fernandes. As aulas eram dadas no prédio da fazenda. Aí, a escola já era pública, mantida pela Prefeitura. Era 1932. Em 1934, foi para a Escola do Buriti, também da Prefeitura, que lhe pagava 120 mil réis por mês.
 
Era uma classe mista com apenas uma sala para alunos do primeiro ao quarto ano primário. Havia quase 80 alunos e as aulas tinham que ser distribuídas em dois turnos. Havia estudantes mais velhos que o professor. Nas escolas públicas daquela época, estudavam também os adultos analfabetos, só que não se matriculavam. Assistiam às aulas, aprendiam, mas não constavam sequer do livro de chamada.
 
Depois de uns dois ou três anos, sua família mudou-se para a sede do distrito, mas ele continuou na Fazenda do Buriti. Naquela época, Martinópolis era bem habitada. Era boa zona de agricultura e pecuária e nem se pensava no êxodo rural. Havia mais de cem residências construídas na sede. Havia um bom comércio com, pelo menos, duas grandes casas: a de José Jacob Sales e a de Manoel Caetano Machado. Havia uma farmácia, um salão de bilhar, a agência do Correio, carpintaria etc...
 
O grande líder político da zona era o capitão Emerenciano Cândido da Silva, mais conhecido como Capitãozinho, que se transformou num mito do lugar. Sobre ele se contam as mais extravagantes aventuras, algumas verdadeiras, outras, não. Atualmente suas terras originais estão repartidas em muitas fazendas: Cascavel, da Onça, Palmito, do Retiro etc...
 
Nesse período, Antonino teve alunos que, depois, se tornaram pessoas destacadas na cidade, como o Sincero Borges, o dr. João Fernandes, Wanda Fernandes (esposa de Alair Martins), o Ayrton Borges, o José Borges e, possivelmente, até o Alair Martins.
 
Quando morreu Azarias Mendes dos Santos, titular do Cartório de Martinópolis, o lugar foi oferecido ao seu irmão que o recusou e passou a vaga para o Antonino que aceitou. Em 1937 passou a titular e acabou-se a trajetória do jovem mestre-escola rural.
 
Fontes: Antonino Martins da Silva, Antônio Moreira.
 


*Este conteúdo é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.
 
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