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14/06/2022 às 08h00min - Atualizada em 14/06/2022 às 08h00min

Coronel Carneiro – a personalidade

ANTÔNIO PEREIRA
O Tenente Coronel da Guarda Nacional José Theóphilo Carneiro
Foi um mito – e, como tal, teve e tem que conviver com a verdade e com a lenda. Mito é aquele que, embora não tenha realizado o que lhe atribuem, tinha todas as condições de  fazê-lo.
                   
Não vou desfiar hoje as coisas que dizem que o coronel Carneiro fez, verdade ou lenda, vou me ater mais à sua curiosa pessoa.
                   
No romance “A lágrima comprida”, de Ceres Carneiro Alvim, sua neta, ela conta que, antes de ser o político atrevido que foi, o coronel abusava de uma cachacinha até que um dia fizeram-lhe, em pleno centro da cidade, uma desrespeitosa brincadeira que mudou os rumos da sua vida. Profundamente envergonhado, o coronel voltou para casa e quebrou todas garrafas cheias que guardava. Aí começa a história do homem que a posteridade reverencia. Ceres escreveu que Don’Anna até lavou roupa pra fora, para que a sua casa não passasse por necessidades.
                   
Carneiro era baixinho, forte, elegante, desempenado. Nos dias festivos metia uma das fardas da sua patente na Guarda Nacional e saia garboso pelas ruas. Gostava de ternos escuros, com colete, gravata e carregava uma bengalinha que agitava muito quando repreendia os construtores que faziam casas com o velho “caixote português”. Ele queria porque queria platibandas nas casas. E conseguiu impor isso com sua insistência.
                   
Ainda é a neta escritora quem conta que ele tinha um cavaquinho e quando estava maquinando alguma coisa, passava a mão no pequeno instrumento e começava a tocar. Todas as suas grandes idealizações teriam sido elaboradas ao som do cavaco.
                   
Era homem alegre, de vontade férrea e provocador dos seus adversários.
                   
Quando queria alguma coisa, queria com força e conseguia. Dizem que assim foi com a estrada de ferro, com a ponte Afonso Pena, com a energia elétrica, com o nome da cidade. E os gastos eram por sua conta. Viajava, agraciava, trabalhava sem pedir nada a quem quer que fosse. Hospedou o engenheiro da Mogiana, Dr. Mellor, em sua casa e ofereceu-lhe peões que o ajudaram a levantar o traçado da ferrovia, de Uberaba a Uberabinha. Quando o engenheiro foi embora e procurou saber o quanto devia, o coronel respondeu-lhe que “deixava o futuro da cidade em suas mãos”. Foi quando surgiu a história de que o engenheiro teria respondido que, se ele um dia recebesse um cartão com um ponto de interrogação no centro, isto significaria que o traçado da linha férrea passando por Uberabinha estava aprovado. Um dia recebeu e a Mogiana chegou. Mandou, fazer, por sua conta também, o traçado urbanístico da Cidade Nova (a parte de Uberabinha que vinha depois da praça da Liberdade – hoje, Clarimundo Carneiro).
                   
Por época das eleições presidenciais de 1910, que resultaram numa verdadeira revolução municipal, o coronel, saia pelas ruas da cidade alardeando que ganharia as eleições, “nem que fosse a tiro”. No dia das eleições ele foi o primeiro a chegar às urnas. Votou e sentou-se na sala de votações para “vigiar” o pleito. E lá ficou o dia todo.
                   
Como a banda que tocava na praça da Independência (hoje, Coronel Carneiro), a famosa União Operária, fosse mantida em parte pela Câmara cuja maioria pertencia ao partido contrário ao seu e como os músicos e maestro também fossem seus adversários, o coronel montou a Banda dos Carneiro que ensaiava, não por mera coincidência, exatamente aos domingos, exatamente a partir do momento em que começava a retreta, exatamente na casa do coronel que ficava de frente para o coreto. Resultado: o som da praça virou aquela bagunça.
                   
Em seu armazém só se vendia a dinheiro. Quando alguém fazia compras e ao contar o dinheiro para pagar notava que faltava um tostão, o coronel não titubeava: “Você deixa a caixa de fósforos e, quando arranjar o tostão,  vem buscar.”
                   
Em cima do balcão sempre tinha um bule metálico com o cafezinho quente, sempre renovado. Ali se batia muito papo, aos goles de café, e às baforadas do palheiro. O coronel tinha um banquinho, do lado de fora do balcão, onde se assentava e conversava com os amigos e correligionários. Gostava de contar piadas. Diziam que ele não ficava com gases presos no intestino. Liberava-os estivesse quem estivesse na rodinha de papo ou ali por perto. Se alguém estranhava ele logo explicava que aquilo, preso, dava “nó nas tripas”.
                   
Tinha também uma espécie de raquetinha com que matava mosquitos. Vivia com aquilo na mão batendo aqui, batendo ali. De vez em quando, batia a raquetinha em alguém, menino, moço, senhora, velho, qualquer um que estivesse perto. Quando a pessoa espantada voltava-se para ele, explicava: tinha um mosquito sentado aí.
                   
Era fã do Hermes da Fonseca, o “seu Mé” (apelido do presidente), a ponto de colocar seu nome num dos filhos e levá-lo até o Rio de Janeiro para que o general o batizasse. Olha que não era fácil ir de Uberabinha ao Rio de Janeiro naquela época. Mas o coronel foi muitas vezes, assim como foi a cavalo outras tantas vezes a Campinas, sempre cuidando dos interesses da sua “noivinha” – como ele chamava a sua Uberabinha.
               
Em seu túmulo, logo à entrada do Cemitério São Pedro está escrito que ninguém amou mais esta cidade do que ele. O que não é um simples epitáfio: é a verdade!
                   
O coronel dizia para os jovens: “Menino, você ainda vai ver Uberabinha cortada de bondes do Vau até a Lagoinha, das Tabocas ao São Pedro...”. E acrescentava iluminado: “Isto aqui ainda vai ser capital!” E quase foi.
                   
Na verdade, uma coisa que pouca gente sabe, o coronel chegou a ter a concessão, dada pela Câmara, para a construção de uma linha de bondes na cidade, o que não realizou pelos momentos críticos que a sua empresa de energia viveu pouco depois de sua inauguração. E, aí pelos inícios dos anos trinta, cogitou-se em colocar a capital do país no Brasil central e o presidente de Minas, Antônio Carlos chegou a sugerir que fosse em Uberlândia, situação que se repetiu quando Juscelino pensou em Brasília.
       
Muita verdade, mas, também, alguns acréscimos da oralidade popular.

*Este conteúdo é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.
 
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