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17/05/2022 às 08h00min - Atualizada em 17/05/2022 às 08h00min

A cruz do Anhanguera

ANTÔNIO PEREIRA
A Cruz do Anhanguera abandonada no Museu
Muitas bandeiras romperam os sertões do Triângulo, porém, as que deixaram marcas foram as dos paulistas Bartolomeu Bueno da Silva, a do pai e a do filho. Eles tinham o mesmo nome. Quando o velho veio pela primeira vez, em 1682, trouxe o menino que, quarenta anos depois, tentou e conseguiu refazer o caminho do pai, que, em nossa região, foi, mais ou menos, o seguinte: atravessou o rio Grande na foz do rio do Carmo; dali seguiu passando por terras onde, bem mais tarde, seria plantada a cidade de Uberaba; dali chegou às cabeceiras do rio Uberabinha, passou pela Rocinha (hoje, Tapuirama), foi em direção ao rio das Velhas que atravessou ali pelas alturas de Indianópolis; dali seguiu até o rio das Pedras, no município de Cascalho Rico e, dali, foi bater no porto da Mão de Pau, no rio Paranaíba. Do outro lado eram as terras onde hoje está o município goiano de Anhanguera. É claro que os nomes e as cidades relacionados não existiam na época e se sabe que o roteiro foi esse por causa das marcas deixadas que formaram o histórico “caminho do Anhangüera”.
                   
Depois que venceu o Paranaíba, o Anhanguera filho, fincou, na margem direita, uma cruz de pau, símbolo da sua fé e marca do seu caminho.
                   
O tempo deitou-se sobre esses fatos, Bartolomeu fundou cidades, descobriu novas minas, ganhou muitas benesses do reino que a intriga e a inveja conseguiram anular e acabou morrendo na miséria.
                   
Duzentos anos depois, marco de uma inglória epopéia, e do início de um Estado importante, a cruz lá estava coberta de mato, envolvida pelos cipós, devorada pelos cupins, abandonada, esquecida. Alguns cidadãos, preocupados com o descuido dos poderes públicos, resolveram recolher a cruz e enviá-la para São Paulo. Alegavam que o Anhanguera era paulista. Já haviam até escolhido o museu para abrigá-la. Outros cidadãos discordaram e começou um debate jornalístico. Jornal, antigamente, gostava disso. Um bate boca por suas colunas era garantia de venda e de divulgação cultural porque iam a debate pessoas que sabiam do que falavam. Acabou vencendo a facção que achava que a cruz tinha que ficar em Goiás mesmo. Aí veio uma nova dúvida: em Catalão ou onde? Catalão era a sede do município em cujas terras estava fincada a cruz. Nessa etapa, entraram em cena maçons de Catalão e da Loja Luz e Caridade, de Uberlândia, que estavam residindo lá: o “cometa” (caixeiro-viajante) Ladário Cardoso e o professor e rábula Francelino Cardoso; de Catalão, o Juiz de Direito dr. Luiz do Couto e o comerciante José Rodrigues da Silva. Decidiram que a cruz devia ir para a capital, que à época era Goiás Velho. Carinhosamente, Ladário Cardoso envolveu a cruz em tecido de algodão cru, amarrou e enviou para a capital. Alguém fez um memorial explicando as razões históricas daquela remessa. Isso foi em 1914 e a viagem da cruz até lá foi no carro de bois.
                   
Em Goiás Velho, junto à Ponte da Lapa, sob a qual passa o histórico Rio Vermelho, ergueu-se um magnífico pedestal e colocaram a cruz lá em cima. Era uma visão suntuosa. Ao fundo, a velha casa da poeta-doceira Cora Coralina.
                   
Poucos dias antes do ano de 2001 terminar, Goiás foi considerada pela Unesco “patrimônio da humanidade” e como tal seria protegida, entretanto, na virada do ano, a natureza mudou o rumo das coisas. Choveu quinze dias sem parar (segundo a Folha de São Paulo e seis horas apenas segundo o Jornal do Brasil – vá-se entender os jornais!), o Rio Vermelho bufou, bufou, explodiu em ondas, engoliu parte da cidade, derrubou casas, desabrigou famílias, invadiu a casa da Cora Coralina, derrubou e carregou a cruz do Anhanguera. Lamentável.
                    
Por sorte, a cruz não desceu muito e uma equipe de resgate conseguiu localizá-la. Estava inteira. Foi recolhida pelos técnicos do IPHAN (Vanderlei, Júnior e Salma) e ficou aguardando decisões para sua reinstalação. Não foi recolocada no mesmo lugar onde sempre correu risco. Decidiu-se instalar-lá no Museu das Bandeiras. Construiu-se uma réplica colocada no local de onde a original havia sido arrancada pela enchente.
                    
Um momento de absoluta sorte da História do Brasil Central.
                                                                          
Fontes: Jornais da época, Tito Teixeira, Jornal do Brasil, Folha de São Paulo, dr. Vanderlei – restaurador do IPHAN.
 
*Este conteúdo é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.
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