Diário de Uberlândia | jornal impresso e online Publicidade 1140x90
19/04/2022 às 08h00min - Atualizada em 19/04/2022 às 08h00min

O quebra-quebra IV

ANTÔNIO PEREIRA
Restos do Cine Regente
Quatro pessoas morreram (a revista Manchete, do Rio, disse que foram cinco), doze ficaram feridas (talvez muito mais) e foram presas duzentas. Entre os feridos, gente do povo e da polícia agredida a pedradas. Foram atendidos pelo Dr. Arnaldo Godoy de Souza e possivelmente por outros médicos.
               
Foram disparados quinhentos tiros e cinquenta rajadas de metralhadora.
               
Migliorini conta o caso de um ferido que a família quis socorrer. Ele pediu que não tocassem no corpo que ele iria buscar providências. Saiu às pressas e, enquanto estava ausente, a família pegou o ferido e o removeu para casa. Foi chegar e morrer. 
               
Depois de sufocada a baderna, ficou a expectativa do que ainda poderia ocorrer. A Associação Comercial permaneceu em sessão permanente por nove dias.
               
O pessoal do DOPS foi até lá para saber quem tinha começado tudo. Havia um bochicho na cidade de que aquilo era coisa de “comunista”. A diretoria, no entanto, negou dizendo que não tinham visto nenhum comunista no meio do povo. Só o Baía, mas estava tentando controlar a massa. 
               
A Polícia cuidou de recuperar as mercadorias saqueadas. À noite era tocado o “recolher” e não se permitia mais ninguém nas ruas.
               
A Imprensa local (CORREIO DE UBERLÂNDIA, O TRIÂNGULO e O REPÓRTER) condenava o tumulto e o saque. Mas culpava o governo por permitir aumentos descontrolados do custo de vida. O repórter (24/janeiro) chegou a afirmar que em Uberlândia não tinha nenhum cinema de primeira categoria.
               
Os jornais do Rio de Janeiro acusaram o presidente da Associação Comercial de responsabilizar o governo federal com seus gastos excessivos na construção de Brasília. Na edição de 29 de janeiro do Correio de Uberlândia, Geraldo Migliorini, rechaçou essas acusações.
               
Na delegacia, Migliorini presenciou o tenente da Polícia, que era de Caratinga, esbofetear tão violentamente um detido que ele caiu desacordado. O presidente repreendeu-o energicamente e o militar acalmou-se.
 
As crianças assassinadas foram Sérgio Paulo de Araújo (a Revista O Cruzeiro dá seu nome como Paulo Sérgio França de Araújo), de 14 anos, com um tiro na nuca, e Maria Eurípedes de Oliveira, de 13 (ou 15) anos.
               
Os jornais registraram um prejuízo de R$ 150 milhões. O Delegado Especial de Belo Horizonte, Raimundo Tomás, calculou trinta. Recuperaram-se 2.300 sacas de arroz e 11.865 de feijão, mais outras mercadorias. Apurou-se, também, que alguns comerciantes locais, de porte, receptaram muita coisa do saque.
               
Foram publicados os nomes de todos os envolvidos no processo instaurado menos os dos receptadores. A Polícia registrou no processo que, entre as armas roubadas e recuperadas, havia algumas clandestinas.
               
Mais de cento e cinquenta automóveis foram colocados por seus proprietários à disposição da polícia para ajudar na caça aos baderneiros e na recuperação das mercadorias.
               
Correu o boato, não confirmado pelo processo, que 48% das mercadorias apreendidas foram encontradas nos armazéns de dois figurões da elite. Não é informação de se levar em conta; na época, talvez pela falta de televisão, a boataria e as mentiras, sobre qualquer assunto, corriam soltas pela cidade, mas também não é de se duvidar.
Ao final do processo, o Promotor despachou pelo arquivamento e o Juiz acolheu e sancionou.
               
O Cine Uberlândia ficou fechado até o dia 27 de junho, quando voltou às exibições com o belo filme “Os Irmãos Karamazov”.
               
Os ingressos baixaram de preço.
               
A cidade foi sensacionalmente conhecida por todo o país através de seus maiores jornais e revistas. 
 
 
Fontes: Geraldo Migliorini, Prof. Selmane Felipe, revistas Manchete e O Cruzeiro, jornais locais, Alencar Soares de Freitas, Maurício Ricardo, Maria Helena Falcão Vasconcelos e Régis Pereira Lima.

*Este conteúdo é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.
Leia Também »
Comentários »
Diário de Uberlândia | jornal impresso e online Publicidade 1140x90