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12/04/2022 às 08h00min - Atualizada em 12/04/2022 às 08h00min

O quebra-quebra III

ANTÔNIO PEREIRA
O saque de 1959
As grandes empresas contrataram seguranças improvisados, fizeram barricadas, todas se protegeram de alguma forma.
               
Geraldo Migliorini, recentemente eleito presidente da Associação Comercial, e seu vice, Hélvio Cardoso, dirigiram-se para o local. Antes passaram pela Catedral de Santa Terezinha e chamaram Monsenhor Eduardo dos Santos que acabara de oficiar a Missa. Era um religioso humilde e muito querido pelo povo.
 
Lá chegando, o Monsenhor enfiou-se entre a população gritando para que deixassem daquilo – era pecado! 
 
Ninguém deu ouvidos. A arruaça continuou. Tanto saqueavam quanto quebravam. Passou pelo padre uma negra carregando tachos e outros objetos na cabeça. Monsenhor pousou-lhe a mão no ombro: “Minha filha, não faça isto! É crime! É pecado!” A mulher depositou os objetos no chão e se foi. O jornalista Alberto de Oliveira contou-me que uma negra levava uma lata pequena e dizia que seu filhinho nunca tinha tomado leite em pó. Agora ia tomar. Que ele olhou e viu que não era leite em pó. Era uma lata de formicida. A mulher não sabia ler e não conhecia nem uma coisa nem outra.
 
Da Associação, Migliorini convocou os diretores para uma sessão permanente e ligou para autoridades de Brasília, Rio de Janeiro e Belo Horizonte pedindo providências.                   
               
Daí a pouco chegaram alguns estudantes. Estavam pesarosos e assustados. Em torno da malta descontrolada eles gritavam, pediam que parassem, mas nada impedia a continuação da baderna.
               
Autoridades e policiais foram até a casa do popular Baía, comunista declarado, boêmio, que vivia de propagandas com alto falante móvel e filmes que passavam ao ar livre numa velha ximbica. Pediam que ele fosse até lá ajudá-los com seu alto falante. Como? ele perguntou – Se a Prefeitura não me deixa trabalhar com isso pra ganhar dinheiro, como é que eu vou com isso trabalhar de graça pra Prefeitura? Mas acabou indo ajudando, pedindo. Também não resolveu.
               
Por volta de meio dia começou a chegar o policiamento pedido. O vandalismo ia alto. Os reforços chegados vieram do 4o Btl de Uberaba mais policiais militares de Araguari, Tupaciguara e Belo Horizonte. Todo esse pessoal sob o comando do Delegado Especial Raimundo Tomás, do Tenente Coronel Josino Ramalho e do tenente Eustáquio Murilo da Silva. A Polícia Federal também compareceu para identificar e prender comunistas. Veio, ainda, um contingente de choque da Aeronáutica que ficou no aeroporto Eduardo Gomes. Trouxeram um pequeno tanque de guerra, metralhadoras leves e pesadas e outros apetrechos.
               
Com a chegada desse pessoal a violência mudou de lado. Os saqueadores passaram a ser os agredidos violentamente, fossem crianças, mulheres ou velhos.                      
               
A polícia chegou atirando tanto nos que saiam com mercadorias quanto naqueles que tentavam entrar. O estudante Alencar Soares de Freitas, um dos que tinham ido tentar acalmar a massa delirante, diz que viu duas pessoas mortas e uma morrendo. Os dois mortos eram crianças e o que morria era um típico sujeito do campo. Alencar acrescenta que o movimento era popular, porém havia bandidos infiltrados. Ele descreve em seu livro de memórias (“Eu Também me Lembro”), uma cena impressionante. Defronte aos armazéns saqueados, do outro lado da avenida, ficava um longo muro que cercava as instalações da Mogiana. O povo se postou diante desse muro. Do outro lado, a polícia armada. Duas massas humanas se confrontando inertes. O povo, como gado, encurralado, apertando-se, inquieto. Ao menor movimento suspeito, uma rajada de metralhadora passava por sobre suas cabeças. Havia uma metralhadora assestada na esquina das avenidas João Pessoa com João Pinheiro.                     O tempo foi esticando diante daquele confronto mudo e parado. Até que cansados, tensos, medrosos, os populares foram se afastando lenta e cuidadosamente do local. (continua na próxima semana)
 
Fontes: Geraldo Migliorini, Prof. Selmane Felipe, revistas Manchete e O Cruzeiro, jornais locais, Alencar Soares de Freitas, Maurício Ricardo, Maria Helena Falcão Vasconcelos e Régis Pereira Lima.

*Este conteúdo é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.
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