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05/04/2022 às 08h00min - Atualizada em 05/04/2022 às 08h00min

​O Quebra-quebra II

ANTÔNIO PEREIRA
“Aspecto da repressão ao quebra” I Foto: “O Cruzeiro”
Um dos encarregados da administração do cinema, o sr. Armando, que tinha o apelido de “Barraca”, indignado, começou a irritar-se com a ação dos jovens. Havia, a poucos quarteirões para baixo, um estabelecimento chamado “Academia de Sinuca”. O bilhar era um jogo que, naquele tempo, atraía muita gente boa, mas também muito malandro. Aliás, mais malandros que gente boa.
 
Pois bem, o pessoal da Academia, de longe viu aquele povão parado em frente ao cinema – e tocou pra lá.
 
Um dos “sinuqueiros”, conhecido como Bitela Kid, notando a inquietação do Armando, começou a xingá-lo em altos brados: “Puxa-saco, baba ovo, capacho!” O Armando reagiu xingando o Bitela e, por extensão, sua digna genitora. Pra que? O Bitela era um típico sinuqueiro. Viciado no joguinho, comprido e magrelo, gostava de um trago. Já com algumas na cabeça costumava apresentar-se como “Bitela Kid, odiado pelos homens e amado pelas mulheres”.
 
Pois ele sumiu, reapareceu com uma pedra que atirou contra as portas de vidro do cinema. Valeu por uma ordem: atacar! E o povo, que só olhava, atacou. Invadiram o cinema, rasgaram cortinas, tela, papel de parede e tudo, arrancaram poltronas e tapetes, arrastaram para o meio da rua e tacaram fogo. Uma parte do povo subiu para o mezzanino, onde ficava a sala de projeção e o escritório da empresa. Quebrou-se tudo e arrastou-se para a rua. Máquinas de escrever, de projetar filmes, toca discos, papelada, filmes reserva etc.
 
Os estudantes, que inocentemente iniciaram o tumulto, estavam estupefatos. Não era aquilo que eles queriam. Do meio do povo e do seu movimento nervoso e agressivo, tão logo foram retomando a calma, cuidaram de sair “de fininho” e ir para casa.
 
O quebra-quebra não foi organizado. Ele começou de forma espontânea, consequente a uma súbita mudança de comportamento que despertou as raivas contidas. O brasileiro é um povo tranquilo, paciente, tolerante e, talvez, por isso, seja o que tem mais mágoas reprimidas. O material arrancado, quebrado, arrastado para o meio da rua era queimado; era a imprevisível resposta do povo a tanta espoliação.
 
O proprietário do cine Uberlândia,  sr. Nicomedes Alves dos Santos, e o gerente, sr. Teodolino, fugiram pelos fundos e foram para o Cine Éden, da mesma empresa, de onde procuraram providências protetoras. A polícia, dadas as proporções da rebeldia e o número do seu contingente, não apareceu.
 
E o vandalismo recrudesceu. Do Cine Uberlândia passaram para o Regente onde, além de quebrarem tudo e queimarem o que podiam, invadiram a residência do gerente, que ficava no mesmo prédio, onde fizeram o mesmo.
 
Os materiais espalhados no meio da rua eram queimados erguendo perigosas labaredas. Mas ainda não parou aí. A arruaça seguiu para os outros dois cinemas, sendo estimulada pela incorporação de novos elementos no seu trajeto de um estabelecimento para o outro.
 
O prazer de destruir talvez ajudasse a recrudescência do vandalismo de um cinema para o outro. Tanto que o último, o Paratodos, ficou totalmente destruído.
 
Às 23 horas a batalha terminou.
 
A cidade adormeceu intranquila. O que poderia acontecer no dia seguinte?
 
Havia boatos de que a quebradeira continuaria na segunda feira, com saques e novas destruições. Os alvos eram o Mercado Municipal e o depósito de gasolina da Esso, na Vila Operária.
 
Na manhã de segunda feira, o comércio não deu o ar da graça, manteve as portas baixadas. O risco da grande tragédia estava numa agressão à Esso o que felizmente não se realizou.
 
A polícia e uns poucos reforços chegados foram para o Mercado Municipal e lá permaneceram por longo tempo suportando vaias e gritaria de crianças e mulheres. Espalharam que atacariam o Mercado Municipal, desviando a atenção da Polícia. A massa masculina foi para os armazéns comerciais. Primeiro para Messias Importação e Exportação. Arrombaram suas portas e carregaram o que puderam em cereais e feijão que eram a especialidade dessa grande firma.
 
Em seguida, foram para a Casa Caparelli, o maior comércio atacadista da cidade, na época. Nesta saquearam armas, munições, utensílios, alimentos, máquinas de costura, ferramentas e tudo que pudessem carregar. O que não conseguiam carregar, quebravam, queimavam. Era um vandalismo total. (continua nas próximas semanas).


*Este conteúdo é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.
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