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05/03/2022 às 08h00min - Atualizada em 05/03/2022 às 08h00min

Síndrome da boazinha: necessidade de agradar

KELLY BASTOS (DUDI)
Bom dia!

Você conhece — ou é — alguém que precisa da aprovação dos outros? É comum ouvir sobre pessoas que se colocam em segundo plano, necessitam constantemente agradar quem está ao seu redor, têm dificuldade em dizer não ou mesmo fazer críticas construtivas, já que evitam conflitos a todo custo e temem que os outros fiquem com raiva — tudo isso para não correrem o risco de não serem amadas. E se você sente que se encaixa nesse perfil, talvez você sofra da Síndrome da Boazinha — termo cunhado pela psicóloga Harriet B. Braiker em livro homônimo.

Apesar de não ser uma doença reconhecida em manuais de psiquiatria, é um padrão de comportamento fácil de reconhecer. Como explica a psicóloga cognitiva Daniela Faertes, especialista em mudança de comportamento, essa é uma condição caracterizada pela compulsão por agradar. "No geral, atinge quem tem baixa autoestima e não consegue dizer não ou impor limites. As pessoas que sofrem desse problema vivem atrás de aprovação e acreditam que ela virá se elas foram generosas e compreensivas com todo mundo e o tempo todo." 

Os bonzinhos demais, quase sempre, são inseguros e passivos na interação com os demais, tendendo sempre a ceder às vontades de parceiros, familiares, amigos e colegas de trabalho. Eles sentem medo de serem mal vistos e de ficarem sozinhos caso não atendam as demandas alheias. Christian Dunker, psicanalista e professor titular do IP-USP (Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo), acrescenta que esses indivíduos têm a convicção de que se forem adequados às expectativas que o outro tem sobre eles serão amados e protegidos. "Na visão deles, amor está associado a obediência, aceitação e subordinação e, por isso, fazem de tudo para não contrariar ou então serão punidos”.

Prejuízos para si mesmo -  A princípio não há nada de errado no desejo de satisfazer quem se quer bem. O alerta é ligado quando esse tipo de atitude gera uma preocupação excessiva e quando o "agradador", para "cumprir sua missão", causa prejuízos para si mesmo, negligenciando a própria felicidade, bem como suas vontades e necessidades. "A consequência de estar sempre com foco no que o outro quer, de ter esse ímpeto interno de não desagradar de jeito nenhum, é que a pessoa deixa de ouvir a sua voz interior. Ela se esquece de si, e, com o tempo, fica frustrada e sofre por não conseguir atingir seus objetivos", pontua Faertes. 

"Se você perguntar, ela vai dizer que age dessa forma porque se sente bem e não quer nada em troca. Mas, no fim das contas, não é bem assim, ela faz isso por medo e esperando não ser rejeitada ou abandonada", acrescenta a profissional. Com o passar do tempo, todo esse desgaste emocional pode gerar estresse, insatisfação e angústia constantes e levar a uma sobrecarga de atividades, com efeitos deletérios sobre as saúde física e mental —alguns bonzinhos patológicos acabam desenvolvendo dores crônicas, doenças, transtornos psiquiátricos como depressão e ansiedade e, por terem dificuldade na questão dos limites, podem apresentar compulsões, como a alimentar e a por compras. "Essas pessoas também tendem a enfrentar dificuldades nos relacionamentos. Justamente por fazerem tudo o que pedem, com frequência são enganadas, menosprezadas e usadas. Ainda correm o risco de serem abandonadas, pois nem todo mundo tolera esse tipo de comportamento por muito tempo. Muitas vezes o amor se transforma em pena, em compaixão, e aí o parceiro passa a buscar caminhos para a separação, que pode ser bastante dolorosa", pontua Dunker.

De onde vem esse comportamento?  A Síndrome da Boazinha se estende para os diversos âmbitos da vida, afetando não apenas o pessoal e o amoroso, mas também o social e o profissional —e essa generosidade exagerada pode ser destinada a todos os conhecidos ou a alguém específico, por exemplo, os pais, o parceiro ou o chefe. Vale destacar que a compulsão por agradar é uma condição que atinge tanto homens quanto mulheres, mas é mais comum no segundo grupo, devido ao modelo educativo feminino voltado a ajudar, a cuidar e a ser devoto ao outro. Sua origem, diz Faertes, normalmente, vem de algumas ausências durante a infância.

"As pessoas muito boazinhas, na maioria das vezes, passaram por situação de provação ou não tiveram suas necessidades básicas atendidas quando eram crianças", analisa Daniela. Mais algumas prováveis causas são terem crescido com crenças limitadoras e errôneas e recebido uma educação demasiadamente rígida. Acho que eu tenho isso, e agora? Mudar esse padrão de comportamento nem sempre é fácil, mas possível. Ao perceber que a situação está fugindo do controle, ou se alguém fizer o alerta, o indicado é procurar um especialista, psicólogo ou psicoterapeuta. Com a ajuda dele, o agradador conseguirá desenvolver a consciência sobre o problema, entender o que o provoca e o mal que faz,  para, a partir daí, aprender técnicas para alterá-lo. "É fundamental que a pessoa excessivamente boazinha entenda que todos nós somos uma mistura, podemos ser gentis e altruístas, e que os conflitos têm o seu valor e um papel importante nas nossas vidas", comenta Dunker.  Confira, a seguir, algumas dicas de Daniela para enfrentar essa situação: Coloque-se no foco da narrativa  - Uma das maneiras de começar a praticar dizer não com mais assertividade é falar sobre você e não sobre o outro. Por exemplo: "eu não me sinto confortável para ir à festa". Dessa forma, o seu posicionamento não é interpretado como uma crítica, mas como uma maneira delicada de expor a sua situação. Ensaie o que vai falar - Comece treinando algumas saídas simples para lidar com os cenários cotidianos. Ensaie frases que possam ajudar a ganhar tempo. Assim, ao ficar de frente a algo novo, você não fica tomado pela dificuldade da emoção. Flexibilize seu comportamento - O certo não é pensar que irá mudar de personalidade, mas que é possível ser mais flexível em prol do autocuidado e da autopreservação. Entenda que o tratamento é feito em pequenos passos e que uma nova forma de enxergar a vida, os outros e a si mesmo virá no seu tempo. Postergue suas respostas -  Quando for pego "de surpresa" por alguma situação de enfrentamento, tente postergar a resposta. Alegue que você não pode falar sobre o assunto no momento. Isso vai lhe dar o tempo necessário para frear a impulsividade de agradar.

Bom fim e boa semana!

Fonte: uol.com.br/vivabem


*Este conteúdo é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.
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