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19/02/2022 às 08h00min - Atualizada em 19/02/2022 às 08h00min

Estamos mortos, e não sabíamos!

DÉBORA OTTONI
Foto: Pexels
Nestes dias estava pensando em quanto a pandemia suscitou em todos nós um incômodo de falarmos sobre algo que sempre tentamos evitar, mas que, desde então, tornou-se inevitável: a morte.

O grande mestre brasileiro da Filosofia Tomista, o professor Sidney Silveira, certa vez utilizou de uma fala em uma de suas aulas que me marcou profundamente: “Uma civilização que tem pavor de morrer, já está morta e não sabe.”

Nossa civilização está morta porque não temos alimentado nossas almas com aquilo que, de fato, nos faça experimentar a vida. Estamos nos sucumbindo ao medo porque nos deparamos com a realidade de não sabermos para o que e o porque temos vivido. Passamos os nossos dias tão preocupados em nutrir nossos desejos fugazes, nossas vaidades fúteis e satisfações momentâneas que só percebemos a falência e insignificância de nossas vidas quando a morte se torna uma possibilidade.

Por isso, se tornou tão penoso quando tivemos que voltar a ficarmos em nossas casas, pois desaprendemos a lidar com o que é essencial. Se tornou atormentadora a verdade da existência de uma solidão que habita nossa alma, pois não sabemos mais ouvir a voz do silêncio. Nos desacostumamos com a companhia dos nossos filhos, maridos e esposas, nos esquecemos de como é olhar com atenção nos olhos daqueles que fazem parte dos nossos dias e de como podemos doar um pouco de nós no sofrimento, pois vivemos em uma época de puro egocentrismo.

É mais fácil sair para arrumar o mundo lá fora através de nossas importantes profissões, cargos e funções, dos tantos telefonemas, e-mails e ordens que precisamos dar e responder, do que arrumar as nossas próprias vidas, as nossas próprias cozinhas, os nossos próprios quartos e camas... 

Voltar para a casa nos mostrou que teríamos que assumir que quando tiramos os ternos e roupas sociais não conseguimos saber ou esconder quem SOMOS. Estar em casa é estar em contato com quem somos de verdade, e isso dói. Dói porque constatamos o quanto temos sido desorganizados, omissos, desatentos, ausentes e egoístas. É a ratificação de que estamos mortos em vida.

Mas o providencial de Deus é que, mesmo em tempos difíceis, muitos souberam recuperar e encontrar o sentido da sua existência. Muitos conseguiram utilizar daquele momento de reclusão para crescer e se moldar como pessoas melhores, buscando o que realmente é fundamental e que os faz sentir vivos. 

Um dos maiores aprendizados que a pandemia e o "fica em casa" me trouxeram foi que, só conseguimos valorizar e sentir a vida pulsando em nosso peito quando somos fortes em meio ao caos; quando abdicamos do papel de vítimas assumindo a responsabilidade das nossas ações; quando deixamos de ser egoístas em tempos de angústia e oferecemos apoio e palavras de ânimo, ao invés de esperar recebê-las de alguém; quando passamos a ser suporte para aqueles que estão fracos; quando nos esforçamos diariamente para construir um dia de excelência, com rotina organizada e estabelecida; quando estendemos a cama ao acordar e organizamos a casa como se estivéssemos aguardando uma visita; quando nos desligamos dos aparelhos que nos anestesiam e nos roubam o tempo para conversar com os que estão do nosso lado; quando colocamos em nossos lábios orações e súplicas por nós e pelos outros; quando nos dedicarmos aos deveres oferecendo o nosso melhor.

Nos sentimos vivos quando fortalecemos e alimentamos nossas almas com as virtudes do alto e que, expressas em gestos, atos e práticas exercidas através da caridade, do amor, da verdade, da beleza e bondade, apontam para a eternidade. Quando amamos a nossa realidade, ainda que ela seja de dor e sofrimento, entendendo que é nela que atuamos com o que temos e somos.

Que sejamos e ofereçamos o nosso melhor hoje, pois é no agora que a vida exige de nós. Assim, quando a morte nos visitar não teremos medo, pois teremos a certeza de que vivemos de verdade até o último segundo que nos foi dado.


*Este conteúdo é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.
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