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02/11/2021 às 08h00min - Atualizada em 02/11/2021 às 08h00min

O primeiro bairro

ANTÔNIO PEREIRA

Frederico foi o primeiro Tibery a chegar ao Brasil, lá pelos fins do século XIX. Veio de Roma. Era formado em Direito. Rodou por este país afora até fixar-se em Veríssimo, onde se tornou prestigiado fazendeiro de café. Aí, casou-se com Senhorinha Macedo.

                        

Dos seus filhos, o caçula, Florestano, formado em Farmácia e casado com Irma Magalhães, resolveu vir para Uberabinha. Era 1925. No ano seguinte, Frederico faleceu.

                        

Florestano estabeleceu-se com uma farmácia que ficou muito conhecida. Ficava na avenida Floriano Peixoto, esquina com a praça da República (TV), onde também era sua residência.

                        

Com a febre do zebu, Florestano investiu tudo o que tinha na aquisição de gado, comprometendo a farmácia e até o imóvel. O povo entusiasmado comprava até bezerro na barriga da vaca.

                        

Como o zebu deu para traz, muita gente perdeu tudo. Essa crise se deu nos últimos anos da Segunda Grande Guerra. 

                        

O Banco do Brasil tinha estimulado os financiamentos usando recursos extraordinariamente avultados. Estávamos em período inflacionário, com o mercado retraído, e esses recursos liberados pelo Banco destinavam-se a incrementar o comércio do zebu. Gente que nunca tinha visto um boi, comprava e vendia cabeças e cabeças que nunca viam, adquiriam sobre o futuro e até negociavam gado imaginário. Os preços dispararam. Veio o “crack” que jogou os zebuzeiros no buraco. Os autênticos e os de ocasião. Florestano foi um deles.

                        

Ele tinha comprado a fazenda “Campo Alegre” do seu compadre português, Aristeu Ferreira do Amaral, nos arredores da cidade, a longo prazo. Oitenta e cinco alqueires. Era onde a família passava seus fins de semana. Havia muitos bichos domésticos, pés de frutas, grande rosal e, onde é hoje o prédio da receita Federal fizeram um lago onde criavam tilápias. Onde estão o Center Shopping e Curinga Veículos era um extenso canavial. Nessas terras, quase puro cerrado, Florestano colocou seus zebusinhos na expectativa de ganhar dinheiro, mas os bichos acabaram comprometendo o seu patrimônio. Com a moratória decretada por Getúlio Vargas, permitindo o pagamento das dívidas a longuíssimo prazo, a fazenda foi dada em garantia ao Banco do Brasil. Enquanto o tempo passava, Florestano voltou para a farmácia, mas já tinha perdido o imóvel residencial e a farmácia não tinha estoque. Tentava reerguer o estabelecimento, mas não era fácil. O capital tinha acabado. Nada tinha para aplicar no seu soerguimento comercial.

                        

Florestano pagava as dívidas particulares e jogava para frente os créditos do governo. Foi quando Tubal Vilela assumiu a Prefeitura e começou a realizar a promessa maior da sua campanha: a renovação dos serviços de captação e distribuição de água. Ele usaria a corrente do córrego São Pedro. Para tanto, precisou desapropriar áreas da fazenda do Florestano. Desapropriou e pagou direto ao Banco do Brasil uma importância que foi suficiente para liberar o restante das terras. Ainda assim, o patrimônio estava comprometido porque restavam algumas dívidas e a farmácia, sem estoque e sem capital, não tinha como produzir lucros.

                        

Décio, um dos filhos do Florestano, nessa época com 50 anos, casado com Nancy Raniero Tibery, era viajante do Laboratório Raul Leite e de uma casa de aparelhos de solda. Estava com a situação econômica equilibrada. Por essa ocasião, os Freitas realizavam excelentes negócios loteando e vendendo terrenos na Vila Roosevelt. Décio propôs ao pai fazer o mesmo em suas terras, mas Florestano estava temeroso de se enfiar numa nova empreitada e num novo fracasso. Diante da negativa, o filho propôs outro negócio: formariam uma empresa Limitada e lhe dariam, como pagamento, 50% dos lotes depois de demarcados e preparados para a venda. Aí, o pai aceitou.

                        

Foi criada a Imobiliária Tibery Ltda pelos sócios Florestano Macedo Tibery, que era o Diretor Presidente, Décio de Magalhães Tibery, Hécio de Magalhães Tibery e Ruth de Magalhães Tibery. Posteriormente foi admitida a mana Maria de Magalhães Tibery Zacharias. Décio deixou os empregos. Os escritórios foram montados em metade do cômodo da farmácia. Um ano depois, com muito trabalho, planos e levantamento da planta, o loteamento foi aprovado pela Prefeitura. A planta foi feita pelo agrimensor Jarbas Faria França com orientação do Décio.

                        

Fizeram um empréstimo bancário e compraram, no Rio de Janeiro, um trator “Continental”, francês, de 18 toneladas. 

                        

Décio encarapitou-se sobre ele e ficava no loteamento das “seis às seis” desmatando, abrindo ruas. De tarde, cansado, virava o trator para os lados da cidade e ficava observando Uberlândia distante. Absorto, pensava, seria mais um sonho desfeito? Alguém teria a coragem de vir morar tão longe? Depois levava-o até a sede da fazenda, onde o guardava.

                        

Eram 7.800 lotes que foram vendidos inicialmente em 120 prestações mensais de 98 cruzeiros.

                        

Lá um dia, Décio chegou com o trator e deparou com uma pilha de tijolos. Alguém ia construir. Ia começar o seu bairro. Robusteceu-se sua confiança no negócio.

                        

O que há de interessante nessa história é que o bairro, hoje bastante habitado, foi o primeiro a ser designado, desde as plantas, como “bairro”. Até então, Uberlândia só possuía “vilas”:  Vila Martins, Vila Operária, Vila Roosevelt, Vila Saraiva, Vila Brasil etc.

 

                       

Fonte: Décio Tibery


*Este conteúdo é de responsabilidade do autor e não representa, necessariamente, a opinião do Diário de Uberlândia.





 
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